60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

DESCRIÇAO DE TECNICA CIRURGICA PARA REALIZAÇAO DE OTOPLASTIA EMPREGADA EM UM SERVIÇO DE RESIDENCIA MEDICA DE CIRURGIA PLASTICA DO ESTADO DE SAO PAULO

Resumo

Dentre todas as anomalias em cabeça e pescoço, as orelhas proeminentes constituem a mais frequente, com acometimento de uma importante parcela da população. Além disso, mais da metade dos casos são diagnosticados ao nascimento e, embora não acarretem alteração funcional, as deformidades da orelha podem provocar importantes distúrbios psicossociais. Este trabalho visa descrever uma técnica para realização de otoplastia utilizada em um serviço de residência médica em cirurgia plástica que consiste na abordagem combinada da cartilagem auricular no tratamento de orelhas em abano. A técnica descrita resulta da união de diversas técnicas consagradas para correção da deformidade de orelhas em abano, incluindo uma associação da ressecção de excesso de cartilagem conchal, fixação da concha ao periósteo da mastoide com pontos de Furnas, enfraquecimento e formação da anti-hélice através dos pontos de Mustardé, porém com a o acréscimo de ressecção de uma “ilha cartilaginosa” a fim de obter melhores resultados estéticos.
O aprimoramento de técnicas de otoplastia de fácil execução traz aos pacientes inúmeros ganhos uma vez que associa diminuição de complicações e resultados estéticos satisfatórios.

Introdução

Orelha em abano representa a deformidade congênita mais comum da orelha externa, afetando cerca de 5% da população geral. É transmitida de forma autossômica dominante e, apesar de consequências fisiológicas benignas, muitos estudos demonstram o sofrimento psicológico, trauma emocional e alterações no comportamento que esta deformidade pode ocasionar, principalmente em crianças.
Para o tratamento das orelhas em abano, as alterações anatômicas devem ser diagnosticadas corretamente. As três causas mais comuns podem estar presentes isoladamente ou em associação: anti-hélice subdesenvolvida, aumentando o ângulo escafoconchal; proeminência da concha, aumentando o ângulo auriculocefálico; e protrusão do lóbulo.
O ângulo auriculocefálico normal varia entre 25 e 30 graus; quando maior que 40 graus, pode ser considerado anormal. Da mesma forma, o ângulo escafoconchal normal tem aproximadamente 90 graus, e ângulos mais obtusos frequentemente requerem correção cirúrgica. Além das alterações anatômicas no próprio pavilhão, pacientes com assimetria significativa entre as orelhas podem se beneficiar com a otoplastia.
As técnicas de otoplastia para correção de orelhas proeminentes evoluíram ao longo dos anos, indo desde ressecções cutâneas isoladas, que frequentemente recidivavam, para a associação de técnicas que envolvem abordagem das cartilagens auriculares e da pele.
Na literatura, existem mais de 200 procedimentos descritos para tratamento de orelha em abano. Existem três vias principais para a realização da otoplastia moderna: a raspagem, excisão e fixação por pontos da cartilagem auricular. O objetivo principal do tratamento é obter um posicionamento aceitável da orelha, simetria e boa forma, contribuindo para a satisfação do paciente e de seus familiares. Com esta perspectiva, otoplastia é um procedimento privilegiado por embasar o cirurgião com várias opções para sua realização.

Objetivo

Descrever uma técnica de otoplastia usada no Serviço de Residência Médica em Cirurgia Plástica de um hospital do estado de São Paulo.

Método

O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral Vila Penteado. Trata-se de estudo descritivo, retrospectivo, com documentação fotográfica. Foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultado

A técnica empregada resulta da união de diversas técnicas consagradas para correção da deformidade de orelhas em abano, incluindo uma associação da ressecção de excesso de cartilagem conchal, fixação da concha ao periósteo da mastoide com pontos de Furnas, enfraquecimento e formação da anti-hélice através dos pontos de Mustardé, porém com a o acréscimo de ressecção de uma “ilha cartilaginosa” a fim de obter melhores resultados estéticos.

Técnica operatória

I. Posicionamento:
O procedimento inicia-se com o paciente em decúbito dorsal, com a colocação de coxim sob a região occipital. Realiza-se, então, a antissepsia e colocação dos campos estéreis.

II. Marcação:
Procede-se a marcação da pele, efetuada com azul de metileno e leve lateralização da cabeça do paciente para o lado oposto à orelha a ser abordada. Identifica-se o sulco retroauricular. Em seguida, marca-se cerca de 3mm acima e paralelo a esta linha, a faixa de pele a ser ressecada, em formato de cunha de aproximadamente 4 cm de comprimento e diâmetro variável a depender da hipertrofia conchal do paciente (Figura 1).

III. Anestesia:
Realiza-se a infiltração de solução anestésica realizando-se o bloqueio do nervo auricular magno , seguido pela anestesia circundando o pavilhão auditivo, com infiltração na face auricular posterior, na pele a ser ressecada (para hidrodissecção) e, por último, realiza-se a confecção de um botão anestésico na pele em região anterior da cartilagem conchal.

IV. Incisão:
Segue-se à incisão e ressecção da pele previamente demarcada, seguido de descolamento da pele em região escafal, afastando-a do pericôndrio, com posterior liberação da região mastoidea, com identificação e ressecção do músculo auricular posterior, a fim de facilitar a execução do ponto de Furnas (Figura 2).

V. Formação da anti-hélice com confecção dos pontos de Mustardé e enfraquecimento + ressecção de “ilha cartilaginosa”:
Através da manobra de pinçamento digital, definem-se os pontos superiores e inferiores em região escafo/conchal e escafo/fossa triangular, com marcação destes pela transfixação de agulhas 25 x 7 para passagem dos pontos de Mustardé com nylon 4.0 formação da anti-hélice (Figura 3).
Nesta técnica, realiza-se o enfraquecimento da cartilagem auricular na topografia de anti-hélice, com liberação desta circundando os pontos de Mustardé previamente demarcados e, por fim, realizando a ressecção de uma “ilha cartilaginosa” superior aos pontos de Mustardé, a fim de obter uma definição mais natural da anti-hélice (Figura 4).

VI. Ressecção da cartilagem conchal e confecção dos pontos de Furnas
Delimita-se o a cartilagem conchal com 4 agulhas 25 x 7, transfixando a cartilagem da região anterior para posterior e, desta forma, definindo-se o excesso a ser ressecado.
Após ressecção da cartilagem conchal, procede-se a fixação de ambas as margens da cartilagem conchal, ao periósteo da mastoide com nylon 3.0, confeccionando-se os pontos de Furnas.

VII. Fechamento da pele e curativo
Após cuidadosa revisão da hemostasia, realiza-se o fechamento da incisão retroauricular com pontos contínuos de prolene 5.0. Para a confecção do curativo, embebe-se algodão com soro fisiológico a 0,9% para moldar a orelha na sua porção anterior. Recobrem-se ambas as orelhas com gaze estéril para auxiliar na proteção e acolchoamento destas. Por fim, é realizado um curativo com “capacete” de atadura, que permanece por 48 a 72 horas, sendo trocado no ambulatório da por uma faixa para otoplastia com velcro, protegendo a orelha de eventuais traumas e foi mantida por 30 dias, seguido do uso de mais 30 dias somente ao deitar.

VIII. Seguimento ambulatorial
A primeira consulta de seguimento ambulatorial é realizada entre 48 a 72 horas de pós operatório, para retirada do curativo e orientações sobre o uso da faixa para otoplastia. Seguem-se reavaliações com 7, 14 e 30 dias pós operatórios, além de reavaliações tardias com 3 e 6 meses. Ao final do seguimento, observa-se um resultado natural, sem recidivas, com o paciente referindo plena satisfação (Figura 5).

Discussão

De acordo com Weinzweig, a excisão de pele em região retroauricular evita sua redundância na topografia do sulco, resultante da ressecção de cartilagem conchal. No presente estudo, optou-se pela incisão distando 3mm do sulco retroauricular, a fim de minimizar uma possível retração cicatricial nesta topografia.
A combinação entre ressecção de cartilagem conchal com pontos de Furnas na concha e na mastoide minimiza, de acordo com Grabb & Smith, resultados insatisfatórios, pois a excisão da concha de forma isolada pode resultar em deformidade da parede posterior e a utilização isolada de ponto de Furnas pode resultar em correção inadequada. Na técnica descrita neste trabalho, a associação entre ambas as abordagens visa diminuir a deformidade iatrogênica.
Segundo Mélega, a realização de incisão cartilaginosa na anti-hélice é relacionada a uma maior incidência de complicações; no entanto, optou-se pela realização desta técnica no presente estudo, devido ao resultado final que, com a combinação da excisão de “ilha cartilaginosa”, confere à orelha, uma aparência mais elegante e graciosa.
Na literatura as taxas de complicações são variáveis, sendo diretamente relacionadas à técnica empregada e à expertise do cirurgião. Shiffman divide estas complicações em precoces e tardias. As complicações precoces ocorrem dentro de horas a dias, sendo hematoma e infecção as mais comuns. Já as complicações tardias, são aquelas apresentadas em semanas a meses após a cirurgia e incluem principalmente a insatisfação do paciente, recidiva/deformidade residual, além de cicatrização patológica (cicatriz hipertrófica e queloide).
No estudo de Aki et al. foram revistos 508 casos de otoplastia, tendo como tática predominante a associação de pontos de Mustardé e Furnas, com ocorrência de infecção em 5,1% dos casos, seguido por hematoma em 4,2% e necrose de pele em 2,5%. A complicação tardia mais frequente foi o mau posicionamento, que ocorreu em 11% dos casos, sendo que 3,1% dos pacientes necessitaram de reoperação devido à recidiva. No seguimento dos pacientes operados neste trabalho, não houve complicações, o que pode evidenciar um viés devido a uma pequena amostra (apenas 3 pacientes foram incluídos neste estudo).
Por fim, sabe-se que a associação entre diversas técnicas é a abordagem preconizada atualmente, A técnica descrita neste trabalho, visa melhores resultados estéticos, e espera-se que sirva como inspiração para o desenvolvimento de novos trabalhos e o aumento de sua realização.

Conclusão

A abordagem combinada, com associação de diversas técnicas na correção das orelhas em abano, mostra-se o melhor tratamento atual, com resultados naturais, baixos índices de complicações e reicidivas, bem como satisfação dos pacientes diminuindo, assim, os estigmas que tanto acarretam sofrimento psicológico.

Referências

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Palavras Chave

Orelha em abano; Otoplastia; Técnica cirúrgica

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Geral Vila Penteado - São Paulo - Brasil

Autores

YASMIN SALES MEDEIROS, JESSICA GIULIANA CORRALES ESCATE, PEDRO HENRIQUE DE PAULA NUNES PINTO, LORENA GIDRÃO DE QUEIROZ, YGOR LUIZ DEGRAF DA FONSECA, HEITOR FRANCISCO DE CARVALHO GOMES