60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

PROTOCOLO DE SALVAMENTO DO CAP EM CASO DE ISQUEMIA

Resumo

A importância do Complexo Areolo-Papilar (CAP) se dá tanto à nível estético quanto funcional das mamas. A isquemia do CAP, embora rara, pode acontecer em qualquer cirurgia da mama e está associado à desfechos desfavoráveis em caso de má condução. Os fatores de risco que predispõem a isquemia do Complexo Areolo-Papilar varia de literatura para literatura, contudo os mais citados são: tabagismo, idade avançada e índice de massa corporal elevado.

Neste protocolo de salvamento do CAP em caso de isquemia é abordado diferentes técnicas para restaurar a perfusão deste, como ajuste do pedículo vascular, drenagem de hematoma e uso de terapias como soro fisiológico aquecido e medicações vasodilatadoras alternadas (Pentoxifilina e Cilostazol). A termografia infravermelha é utilizada para diagnóstico precoce, enquanto a oxigenioterapia hiperbárica e curativos de hidrocoloide são empregados para auxiliar a cicatrização.

Percebe-se que a identificação precoce e intervenção imediata são cruciais para evitar a necrose do CAP. O protocolo é multidisciplinar e combina abordagens cirúrgicas e terapêuticas a fim de otimizar os resultados estéticos e funcionais das cirurgias mamárias.

Introdução

As mamas representam na sociedade o maior símbolo corpóreo de sexualidade, feminilidade e maternidade (seara, vieira e pechorro). Alterações funcionais, de forma ou tamanho das mamas geram nas mulheres um sentimento de inadequação social e baixa autoestima (5). As mamas se formam a partir da 4a semana embrionária e se oriunda do ectoderma. O mamilo everte após o nascimento e a areola circundante aumenta em pigmentação progressivamente. O CAP é constituído pela areola e o mamilo, sua inervação é oriunda dos ramos sensitivos cutaneolaterais do III, IV, V e VI nervos intercostais e é um dos componentes anatômicos da mama. Sua relevância está tanto na amamentação, quanto na autoestima em relação às experiências sexuais vividas pela paciente. (5) Em consequência da importância funcional e estética que o CAP ressoa sobre a mulher, a cirurgia das mamas deve ser acompanhada com a preocupação quanto à formatação final do CAP. Neste quesito, uma das mais temidas, embora menos frequente, complicações é o sofrimento vascular do complexo-areolopapilar.

A manifestação da isquemia do CAP pode ser espontânea e reversível, como em um caso de congestão venosa, mas também pode ser total com a perda tanto da areola quanto do tecido mamário subjacente (2). Sua isquemia ou necrose traz pobreza aos resultados estéticos após uma cirurgia mamária, como achatamento, hipopigmentação, e deformidades, porém não só no escopo da estética, como também psicossocial, por se tratar de um traço na identidade feminina. Não existe uma escala padrão para predizer uma isquemia do CAP e os fatores de risco variam muito entre os estudos (1), contudo, a literatura atual aponta como os maiores fatores o tabagismo, radioterapia prévia, pacientes mais velhas e/ou com maiores índices de IMC (Índice de Massa Corporal).

Em relação as possíveis fisiopatologias que levam à isquemia ou necrose do Complexo estão ou por um suprimento arterial insuficiente ou por uma congestão venosa. As sabidas prevenções são: evitar longos pedículos; torções destes; pode-se fazer o uso de sanguessugas para otimização da drenagem venosa ou reduzir o volume do pedículo para diminuir sua tensão (2). Em caso de suprimento arterial insuficiente pouco ou nada se pode fazer para salvar o CAP, a melhor conduta é definir a técnica cirúrgica correta. Devido isto, o cirurgião deve estar familiarizado com as formas anatômicas da vascularização da mama. Sabe-se que a mama geralmente possui dois tipos principais de suprimento arterial, o primeiro vem da artéria torácica interna vascularizando principalmente a porção médio-inferior do CAP (é o sistema que mais contribui e o mais confiável); o segundo provém da artéria torácica lateral e contribui de forma mais amena no suprimento súpero-lateral do CAP (3).

Objetivo

O objetivo deste artigo é descrever os mecanismos que ocasionam a isquemia/ necrose do Complexo Areolo-Papilar (CAP), prover métodos diagnósticos para a isquemia, entendendo suas principais causas e detalhando nosso protocolo de salvamento do CAP quando a isquemia estiver instalada.

Método

Descrição da técnica de salvamento do CAP frente à isquemia

Quando se instala uma congestão venosa parcial nos deparamos com uma hipocoloração azulada da aréola e um edema mais exuberante, enquanto a congestão venosa total resulta em uma perda expressiva da coloração e uma intumescência menos exuberante (9). Frente ao reconhecimento da congestão e sofrimento do CAP implantamos medidas a fim de restaurar a reperfusão, são elas: liberação das suturas dérmicas e subdérmicas do CAP, avaliar a tensão e o ângulo do pedículo, drenar o hematoma, se presente e retirada da prótese, caso esta resulte em um estiramento importante do retalho. Em alguns casos temos que reduzir ou mudar a angulação do pedículo para a melhora da reperfusão. Se estas medidas melhorarem a perfusão do CAP prosseguimos com a montagem da mama e reavaliamos a perfusão do complexo areolo-papilar. Em casos em que há a melhora parcial do edema e da coloração prosseguimos com a irrigação através de Soro Fisiológico 0,9% aquecido para tratamento de vasoespasmo. Essa manobra promove o aumento do fluxo sanguíneo através da dilatação dos vasos pelo calor e pela liberação de substâncias vasodilatadoras como o óxido-nítrico (10). Em caso de percepção de melhora, mantemos de forma intermitente o fornecimento do calor local através de compressas mornas com bolsa térmica de gel aquecida no pós-operatório.

Imediatamente instituímos tratamento com medicações vasodilatadoras, usando duas medicações de forma alternada para potencialização do efeito. As drogas de escolha são a Pentoxifilina e o Cilostazol a cada 12 horas de forma alternada. O usa da câmara hiperbárica também deve ser indicado com início o mais precoce possível. Portanto, na visita pós-operatória que ocorre antes de completar 24 horas de internação, em não havendo melhora da coloração do CAP ou da termografia, a paciente é encaminhada para essa modalidade de tratamento que deve ser diária e mantida, assim como os vasodilatadores, enquanto houver possibilidade de melhora do quadro.

Outro cuidado é proteger a aréola em sofrimento com um curativo apropriado que evite que as bolhas da epidermólise que se formam precocemente sejam avulcionadas, protegendo da lesão por cisalhamento do tecido áspero do sutiã de sustentação. Importante também manter um ambiente com umidade adequada para favorecer a cicatrização, mas evitando acúmulo de secreção que possa levar a infecção. Nessa fase evitamos a lavagem durante o banho, mantendo curativo oclusivo com filme transparente por 4 a 5 dias, acompanhando a necessidade de troca através do curativo secundário. O uso de compressão também é evitado por aumentar o risco de evolução para necrose.

Por fim, sugerimos acompanhamento a cada 4 dias para ajustar as condutas a depender da evolução da lesão. Quando uma crosta de necrose é definida, iniciamos curativos com desbridantes químicos a base de Alginato de cálcio até que ela se solte espontaneamente. Em nenhuma hipótese fazemos desbridamento do CAP. A condução deve ser expectante e cautelosa, só exigindo conduta mais agressiva na suspeita de infecção. Após desprendimento da crosta, passamos a fase de limpeza de esfacelos e estímulo da epitelização. Para essa finalidade, optamos por um curativo de fibras poliabsorventes hidrodesbridantes de poliacrilato. A almofada de hidrodescamação é revestida com uma matriz de cicatrização microaderente impregnada de prata (TLC: Lipido-Colloid Technology). Esta matriz TLC-Ag proporciona ação antibacteriana e antibiofilme e gelifica facilmente, auxiliando na drenagem de resíduos descamativos e sua remoção quando saturada.

Quando identificamos reepitelização nas bordas da ferida e estabilização do tecido de granulação, passamos para a última etapa do tratamento que é feita com triglicerídeo de cadeia média – TCM, que vai propiciar o ambiente adequado para que a epiderme se forme. Nessa fase, a depender da profundidade da lesão, podemos utilizar curativos a base de silicone para facilitar o realinhamento das fibras de colágeno, deixando um resultado melhor da cicatriz.

Resultado

Quando comparado aos métodos tradicionais de como cuidar da ferida, através de curativos antimicrobianos tópicos ou esperar a delimitação do processo isquêmico/ necrótico para uma abordagem mais ativa. Percebemos que com nosso protocolo conseguimos chegar a um alto nível de satisfação, tanto pela paciente quanto pelo cirurgião, é perceptível a diminuição da velocidade e extensão do processo isquêmico, sendo que muitas vezes, não se necessitam demais abordagens. Na figura 2 conseguimos ver a evolução de um CAP com isquemia e seu resultado final após aplicação de todos os métodos.

Discussão

A discussão abordada se concentra na anatomia e na fisiologia do complexo aréolo-papilar (CAP), com foco nas complicações frequentes de isquemia e necrose após cirurgias mamárias. Aqui está um resumo da discussão:

Considerações Anatômicas
Variação no Suprimento Sanguíneo do CAP: Estudos indicam variações significativas no suprimento arterial do CAP, incluindo diferenças entre as mamas direita e esquerda na mesma paciente. O sistema intercostal torácico-anterior interno é considerado o suprimento mais confiável e situa-se na área ínfero-medial, enquanto a artéria torácica lateral supre a porção súpero-lateral, frequentemente como um sistema colateral.

Fatores de Risco para Isquemia e Necrose: A necrose do CAP pode ocorrer devido a um suprimento arterial inadequado ou congestão venosa. Fatores como má manutenção do pedículo venoso, torção, compressão, sínteses tensas e hematomas são citados como causas comuns.

Diagnóstico
Sinais Clínicos de Isquemia: Incluem enchimento capilar rápido, sangramento escuro à picada de agulha, cianose e edema do mamilo. A diferenciação entre insuficiência arterial (coloração acinzentada, reperfusão lenta) e insuficiência venosa (coloração azulada, reperfusão rápida) é crucial para o manejo adequado.

Uso de Termografia: A termografia infravermelha é uma ferramenta não invasiva e eficaz para o diagnóstico precoce de isquemia, detectando mudanças sutis na temperatura da pele que refletem alterações no fluxo sanguíneo.

Tratamento
Intervenção Intraoperatória: Em casos de congestão venosa, medidas como liberação de suturas, drenagem de hematomas e ajustes na angulação do pedículo podem restaurar a perfusão. O uso de solução salina aquecida para vasoespasmo é indicado para melhorar o fluxo sanguíneo.

Oxigenioterapia Hiperbárica (OHB): Oferece oxigênio puro sob pressão aumentada, melhorando a cicatrização ao aumentar a oxigenação tecidual, promover neovascularização e reduzir o edema.

Medicações Vasodilatadoras: Pentoxifilina e cilostazol são usados para melhorar a microcirculação e a entrega de oxigênio nos tecidos isquêmicos, potencializando a cicatrização.

Curativos de Hidrocoloide: São eficazes para proteger o CAP, promover um ambiente úmido de cicatrização e prevenir danos por cisalhamento, ajudando na manutenção da viabilidade celular.

Considerações Finais
A abordagem multidisciplinar e o uso de tecnologias como a termografia são fundamentais para diagnosticar precocemente e manejar eficazmente a isquemia do CAP. Embora a necrose seja uma complicação comum, estratégias como intervenções cirúrgicas precisas, monitoramento pós-operatório cuidadoso e uso de terapias adjuvantes têm demonstrado melhorar significativamente os resultados clínicos.

Conclusão

O infortúnio do acontecimento de isquemia do CAP traz um sentimento de insegurança tanto ao paciente, quanto para o cirurgião. Compreender os fatores de risco para esta complicação, bem como os métodos de diagnóstico precoce são essenciais para o prognóstico e resultado cirúrgico. Todavia, a ocorrência de isquemia do CAP muitas vezes é inesperada e inevitável, tendo o cirurgião o compromisso de conhecer e prover as melhores opções para a convalescença da aréola e mamilo, bem como da mama como um todo.

Referências

1- Nipple-areolar complex ischemia and necrosis in nipple-sparing mastectomy
2- Managin necrosis of the nipple areolar complex following reduction mammaplasty and mastopexy
3- the safety os pedicles in breast reduction and mastopexy
4- Do Nipple Necrosis Rates Differ in Prepectoral Versus Submuscular Implant-Based Reconstruction After Nipple-Sparing Mastectomy?
5- http://www.rbcp.org.br/details/2212/pt-BR/avaliacao-da-sensibilidade-do-complexo-areolopapilar-apos-mamoplastia-redutora-com-liberacao-dermica-versus-volume-ressecado-de-tecido-mamario
6- Diagnosis and Management of Areolar Ischemia
7- Infrared thermal imaging in medicine (E. F. J. Ring)
8- clinical applications of dynamic infrared thermography in plastic surgery: a systematic review
9- preveting venous congestion of the nipple-areola complex: an anatomical guide tô preserving essential venous drainage networks
10- Nipple Vasospasm of Nursing Mothers
11- does hyperbarix oxygen therapy work in facilitating acute wound healing: a systematic review
12- A systematic review of the use of hydrocolloids in the treatment of pressure ulcers
13- Potential benefits of
pentoxifylline on wound
healing
14- Pentoxifylline and its major oxidative metabolites exhibit different pharmacolo- gical properties. 

16 - The protective effect of cilostazol on transverse rectus abdominis myocutaneous flap in rats
15- Cilostazol: a Review of Basic Mechanisms and Clinical Uses

Palavras Chave

Complexo aréolo-papilar (CAP); Isquemia; Complicações cirúrgicas

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Daher - Distrito Federal - Brasil

Autores

LUANNA PAULA AFONSO ITACARAMBY, MARCELA CAETANO CAMMAROTA, JOSE CARLOS DAHER, LANA GABRIELA DE SOUSA SILVA, IGOR MOURA SOARES, SAULO FRANCISCO DE ASSIS GOMES