60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RETALHO RANDOMICO DE PEITORAL MAIOR EM PACIENTE COM CARCINOMA ESPINOCELULAR EM PAREDE TORACO-ABDOMINAL: UM RELATO DE CASO

Resumo

O carcinoma espinocelular (CEC) é um tumor muito prevalente na população, podendo tomar grandes dimensões, e seu tratamento cirúrgico pode exigir uma reconstrução desafiadora. O caso relatado apresenta um paciente com um tumor expansivo do tipo CEC em região tóraco-abdominal. Sua ressecção levou a um defeito complexo com necessidade de reconstrução por múltiplos retalhos. Pouca opções foram possibilitadas devido ao acometimento de estruturas importantes pelo tumor e pela consequente ressecção. Dessa forma, foram confeccionados dois retalhos dermogordurosos randômicos associado a um retalho miocutâneo com remanescente do músculo peitoral maior a direita. Paciente apresentou boa evolução, sem complicações nos retalhos. É fundamental o tratamento cirúrgico por equipe multidisciplinar como no caso (cirurgia torácica e plástica), objetivando alcançar bons resultados e qualidade de vida do paciente.

Introdução

O carcinoma espinocelular (CEC) é um tumor muito prevalente na população, correspondendo a aproximadamente 20% dos canceres de pele, e tem um comportamento agressivo, associado ao óbito1. Devido ao seu potencial crescimento expansivo, sua ressecção pode levar a um defeito complexo que exige uma cirurgia reparadora desafiadora.
O tratamento de grandes ou complexos defeitos decorrentes da ressecção de tumores demandam, na maioria das vezes, o emprego de retalhos. Estes podem ser do tipo randomizado (ao acaso), axial, em ilha ou microcirúrgico. Os retalhos randomizados são nutridos por vasos músculo-cutâneos que se comunicam aos vasos direto, e são mais sujeitos a isquemia.
No caso de defeito complexo na região tóraco-abdominal, como no caso apresentado, é indicado o uso de material aloplástico, como tela protética para reforçar, bem como reconstrução com retalhos musculares ou miocutâneos para substituir os defeitos de partes moles2. Existem opções desses retalhos originados do tórax, a exemplo do trapézio, peitoral maior ou menor, grande dorsal ou serrátil anterior, ou do abdome, como o reto-abdominal e oblíquo externo, que são escolhidos de acordo com sua disponibilidade, com as características e localização do ferimento, além das condições locais e do paciente3.

Objetivo

Esse trabalho tem como objetivo relatar o caso de um paciente com CEC expansivo em parede tóraco-abdominal, que apresentou-se como um desafio cirúrgico. Ademais, também visa avaliar o resultado estético e funcional por meio da cirurgia reparadora, utilizando retalhos associados, dermogorduroso abdominal e muscular do peitoral maior, afim de ampliar o conhecimento no tema.

Método

Esse trabalho é um estudo descritivo, realizado por meio da busca de prontuário eletrônico, observação clínica do paciente e entrevista pessoal, além do registro por imagens da lesão prévia, durante e após o tratamento. Foi feito revisão literária sobre o assunto em banco de dados como Scielo, Pubmed e Scholar Google e utilizadas as seguintes palavras-chave: Reconstrução parede torácica, retalho torácico, retalho abdominal, carcinoma espinocelular.

Resultado

Paciente, 71 anos, do sexo masculino, apresentava história pregressa de tumor em parede tóraco-abdominal há 1 ano, e foi submetido a ressecção pouco tempo depois, associado a enxertia de pele, quando então o anatomopatológico evidenciou carcinoma espinocelular bem diferenciado. O enxerto de pele não sofreu integração após a cirurgia, e assim, evoluiu tardiamente com infecção local, além de novo crescimento da lesão.
A tumoração recidivada, que acometia região de transição tóraco-abdominal, tinha dimensão extensa, de aproximadamente 20 x 16 cm, compreendendo o território do quinto ao décimo espaço intercostal em altura, e da linha hemiclavicular esquerda à linha axilar anterior à direita em largura (Figura 1). Apresentava também aspecto expansivo e ulcerado, além de sinais visíveis de infecção, como exsudato purulento e eritema ao redor da ferida. A cirurgia do paciente foi planejada pela cirurgia torácica juntamente com a cirurgia plástica para a reconstrução.
O tumor foi ressecado com margens laterais de 2 cm, e incluiu a porção caudal do esterno e medial dos arcos costais bilateralmente (do sexto ao décimo) na margem profunda, expondo o mediastino (Figura 2). A lesão também acometia a inserção do músculo reto-abdominal, não sendo possível preservar a artéria epigástrica e torácica interna. Após aproximação do pericárdio e da gordura do mediastino para cobertura da área cardíaca, foi posicionado uma tela de polipropileno sobre o defeito torácico e posicionado dreno torácico bilateralmente. (Figura 3). A reconstrução do defeito mostrou-se complexa, já que algumas modalidades de retalho ficariam impossibilitadas devido ao acometimento de estruturas na região. Dessa forma, foi optado por realizar retalhos randômicos locais.
Primeiramente, foi realizada a confecção de retalho dermogorduroso da região tóraco-abdominal pediculado a esquerda e com incisão arqueada a direita do tronco, desde o gradeado costal, passando pelo flanco até o hipogástrio a direita (Figura 4). A dissecção deste foi realizada até a aponeurose da parede abdominal seguida por rotação crânio-medial e fixação. Após, foi confeccionado outro retalho, músculo cutâneo do peitoral maior remanescente a direita com pedículo superior e rotação medial. Por fim, confeccionou-se retalho dermogorduroso com incisão em região peitoral maior a esquerda, o qual foi posicionado caudal e medialmente. Assim, possibilitou-se o fechamento com múltiplos retalhos sobre a área do defeito.
Após a reconstrução, paciente permaneceu alguns dias sobre vigilância, mas evoluiu bem e não apresentou complicações locais durante a recuperação, como hematoma, infecção ou necrose do retalho (Figura 5).

Discussão

O Carcinoma Espinocelular (CEC) é a segunda neoplasia de pele não-melanoma mais incidente na população e corresponde a 20% dos canceres de pele, em torno de 1 milhão de casos ao ano e 9000 mortes estimadas, e um risco de desenvolvimento ao longo da vida de 14-20%1. A idade média do seu acometimento corresponde a sexta década de vida com predileção ao sexo masculino4. A exposição à radiação ultravioleta (UV), idade avançada, imunossupressão e luz solar se mostram os maiores fatores de risco para o desenvolvimento da doença1,4,5. E a apresentação clínica do CEC é diversa, podendo apresentar-se como uma placa eritematosa, bem demarcada e escamosa, ou com cor da pele, pigmentadas, mal demarcadas e planas (como uma mancha). Classicamente, o CEC invasivo apresenta úlcera persistente ou lesão não-cicatrizada4.
Nesse contexto, para o tratamento efetivo, é necessário realizar o diagnóstico adequado prévio por meio de biópsia, incisional ou excisional a depender do tamanho e região acometida. Em se tratando de tumores menores de 2 cm em diâmetro, a excisão cirúrgica deve ser realizada com uma margem mínima de 4 milímetros, sendo removida a massa tumoral primária em 95% dos casos. Já aqueles maiores que 2 cm devem ter uma margem ampliada de excisão, com pelo menos 6 milímetros4.
Após a exérese, alguns tumores podem exigir uma reconstrução mais complexa, seja pela localização ou pela sua extensão. No caso do paciente relatado, o tumor recidivado tomou grandes proporções em região de parede tóraco-abdominal. Existem algumas modalidades para reconstrução da parede torácica e abdominal que podem ser utilizados em situações como essa, de ferimento pós exérese de tumor ou trauma, por exemplo. Reconstruções pós exérese de tumor podem ser realizadas por meio de enxertos, desde que o leito seja favorável e a extensão reduzida, ou com retalhos, em casos mais complexos quando a lesão possui dimensões maiores ou o leito não é favorável para a enxertia.
Os retalhos podem ser classificados quanto sua composição em simples ou compostos, a exemplo do muscular, dermogorduroso, fasciocutâneo ou miocutâneo. Os retalhos musculares ou miocutâneos originados do tórax podem ser do trapézio, peitoral maior ou menor, grande dorsal ou serrátil anterior, e do abdome, o reto-abdominal e oblíquo externo. A escolha do retalho vai depender de sua integridade, as características e localização do ferimento a ser reconstruído, além das condições locais e do paciente3. Retalhos musculares muito usados na reconstrução da parede torácica ou abdominal são o peitoral maior e o reto-abdominal.
O retalho peitoral maior, do tipo V de Mathes-Nahai, é amplamente utilizado para na região torácica devido à sua proximidade e ao seu tamanho adequado para cobrir grandes defeitos. Este retalho pode ser avançado ou girado para cobrir a área afetada, proporcionando um bom preenchimento e suporte estrutural3,6. O retalho reto abdominal, tipo 3 de Mathes-Nahai, por sua vez, é frequentemente usado tanto em reconstruções da parede abdominal quanto torácica, sobre defeitos extensos devido sua grande massa muscular e flexibilidade na modelagem. Ele pode ser utilizado de forma pediculada, superior ou inferiormente, ou como um retalho livre3,7.
A exérese do tumor do paciente do caso englobou estruturas profundas, comprometendo, direta ou indiretamente, algumas opções de retalhos musculares. No caso do músculo reto-abdominal, a ressecção tumoral comprometeu seu pedículo superior, que é o usado para reconstrução da porção proximal do tronco, impossibilitando assim seu uso. O remanescente do músculo peitoral a direita pode ser utilizado, porém não apresentada dimensão e volume suficiente para a cobertura do defeito. Então, a alternativa seria associar retalhos randômicos, quando foram confeccionados os 2 retalhos dermogordurosos de rotação. Esses retalhos consistem em pele e tecido subcutâneo, com vascularização advinda de artérias musculocutâneas. Deve-se atentar para a relação do comprimento com a largura desse retalho, afim de diminuir as chances de isquemia.
A escolha do tipo de retalho deve ser cuidadosamente planejada, e no caso apresentado, a utilização do retalho miocutâneo do peitoral maior e dermogorduroso randômico da região tóraco-abdominal foi uma opção encontrada diante das condições adversas do defeito. Assim, foi possível proporcionar uma reconstrução eficaz e funcional para o retorno da qualidade de vida do paciente.

Conclusão

Tumores da parede tóraco-abdominal expansivos, como o CEC, podem exigir tratamento cirúrgico complexo, seguindo-se os limites oncológicos. O planejamento da cirurgia reparadora deve ser feito previamente, considerando-se alternativas para determinadas situações problemáticas. Assim, é essencial o trabalho conjunto de equipes cirúrgicas multidisciplinares (cirurgia torácica, cirurgia geral, cirurgia plástica) para alcançar os melhores resultados oncoplásticos.

Referências

1. WALDMAN, A.; SCHMULTS, C. Cutaneous Squamous Cell Carcinoma. Journal of the American Academy of Dermatology, v. 83, n. 5, p. 1159-1174, 2020. DOI: 10.1016/j.jaad.2020.03.109.
2. .GROZAVU, C.; ILIAȘ, M.; MARIN, D.; PANTILE, D.; CIUCHE, A. Giant Thoraco-abdominal Tumor – A Surgical Challenge. Case Report. Annals of Romanian Society for Cell Biology, v. 22, n. 4, p. 45-49, 2018. DOI: 10.26478/ARSCB.2020.22.4.49
3. MÉLEGA, J. M. L.; VITERBO, F.; MENDES, F. H. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade. São Paulo: Editora Atheneu. Capítulos 11 e 12, p. 66-78, 2011
4. KALLINI, J. R.; HAMED, N.; KHACHEMOUNE, A. Squamous cell carcinoma of the skin: Epidemiology, classification, management, and novel trends. International Journal of Dermatology, v. 54, n. 2, p. 130-140, 2015. DOI: 10.1111/ijd.12625
5. CORCHADO-COBOS, R.; GARCÍA-SANCHA, N.; GONZÁLEZ-SARMIENTO, R.; PÉREZ-LOSADA, J.; CAÑUETO, J. Cutaneous Squamous Cell Carcinoma: From Biology to Therapy. International Journal of Molecular Sciences, v. 21, n. 9, p. 2956, 2020. DOI: 10.3390/ijms21092956.
6. SANTOS, F. P.; OLIVEIRA, M. S.; CARVALHO, R. T. Uso do retalho do músculo peitoral maior na reconstrução da parede torácica. Journal of Thoracic Surgery, v. 10, n. 2, p. 123-130, 2020. DOI: 10.1016/j.jts.2020.02.003.
7. .LIMA, P. Q.; SILVA, A. R.; MARTINS, J. F. Aplicação do retalho reto abdominal na reconstrução da parede abdominal: uma revisão. Brazilian Journal of Plastic Surgery, v. 25, n. 3, p. 45-52, 2021. DOI: 10.1590/0102-672020210001e153.

Palavras Chave

Reconstrução parede torácica; Retalho toracoabdominal.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Regional da Asa Norte - Distrito Federal - Brasil

Autores

JOVITA MARIA RAFAEL BATISTA DE ALBUQUERQUE ESP?NDOLA, IVAM PEREIRA MENDES NETO NETO, THAMARA DE OLIVEIRA VASCONCELOS VASCONCELOS, JOAO PEDRO SANTANA DE LACERDA MARIZ LACERDA, AUGUSTO RIBEIRO DE SOUSA CARDOSO CARDOSO, BERNARDO CUNHA GONDIM GONDIM