60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO PALPEBRAL INFERIOR COM RETALHO TARSO-CONJUNTIVAL DE HUGHES ASSOCIADO A RETALHO PARAMEDIANO FRONTAL

Resumo

A reconstrução palpebral é sempre desafiadora, visto a delicadeza dos tecidos envolvidos e necessidade de funcionalidade e estética aceitáveis em pós-operatório. A incidência de tumores cutâneos na região palpebral é alta, exigindo o conhecimento anatômico e funcional do cirurgião plástico para reconstruir o defeito. É necessário amplo conhecimento de múltiplas técnicas cirúrgicas para usá-las em conjunto, caso seja preciso. Considerando a relevância desta temática, objetivou-se descrever neste relato o caso de um paciente de 66 anos, com ressecção de carcinoma basocelular em pálpebra inferior direita, extenso, causando defeito de toda a profundidade e extensão de pálpebra inferior, além de região supero-malar. Optou-se pela associação do retalho tarso- conjuntival de Hughes e paramediano frontal para reconstruir as lamelas posterior e anterior, respectivamente. O paciente se encontra no 3o mês de pós-operatório, apresentando leve ectrópio em acompanhamento, no entanto sem repercussão clínica.
Em conclusão, a abordagem da reconstrução palpebral é ampla e delicada, exigindo conhecimento e técnicas precisas do cirurgião plástico para restituir a funcionalidade e estética da mesma.

Introdução

A região palpebral é uma das mais comuns de desenvolvimento de câncer de pele, compreendendo de 5-10% de todos os tumores cutâneos. Em 95% dos casos são carcinomas basocelulares ou carcinomas espinocelulares. Nestes casos, é preciso ressecar as lesões com o objetivo de cura, o que implica em margens amplas e defeitos maiores. As reconstruções nem sempre são anatomicamente funcionais, mas determinam aceitação estética e função razoáveis, permitindo ao paciente uma vida sem prejuízo da visão. Apesar de inúmeras técnicas descritas, quando o defeito da lesão abrange toda a extensão e profundidade da pálpebra, a associação de retalhos para reconstrução da lamela anterior e posterior é sempre um desafio ao cirurgião plástico. Nesses casos são necessários retalhos com áreas mais extensas e com constituição preferencialmente semelhante às pálpebras. Este trabalho apresenta o caso de um paciente com necessidade de reconstrução de pálpebra inferior após ressecção de um carcinoma basocelular extenso. (1,2)

Objetivo

Considerando a reconstrução palpebral sempre um desafio ao cirurgião plástico, objetivou-se descrever a reconstrução de pálpebra inferior com defeito de toda a espessura e extensão após ressecção de carcinoma basocelular (CBC) extenso. Adicionalmente, foi descrita a técnica cirúrgica e discussão de possibilidades de reconstrução palpebral inferior.

Método

Relato de caso de paciente submetido à reconstrução palpebral inferior com retalho de Hughes e paramediano frontal no serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Federal de Ipanema (RJ). Paciente apresentava carcinoma basocelular em pálpebra inferior direita, acometendo toda a espessura da mesma, com necessidade de ressecção em plano total, gerando defeito de tamanho maior que 50% do comprimento da pálpebra.

Resultado

Paciente masculino, 66 anos, com tumoração em região infraorbitária direita de aparecimento há 6 meses e crescimento progressivo. Apresentava histórico de lesões em couro cabeludo e região cervical posterior de características semelhantes. Não apresentava comorbidades, negava tabagismo. Ao exame físico, tumor eritemato- descamativo em região palpebral inferior direita, de cerca de 2,5x1,5cm, aderido aos planos profundos. À dermatoscopia, lesão tumoral eritematosa, com centro atrófico e vasos vermelhos focados, sugestivos de carcinoma basocelular. Em tomografia computadorizada de face com contraste, a lesão citada apresentava infiltração até tecido celular subcutâneo, sem invasão óssea; camada cortical do zigoma e rebordo orbitário direito íntegros
Paciente foi submetido à anestesia geral, associado a infiltração local de lidocaína 1% + adrenalina 1:200 e posterior ressecção da lesão, com margens cirúrgicas de 4mm. Encaminhado material para biópsia de congelação e, após ampliações de margens orientadas pela patologia, exérese de todo o tumor com margens livres. Após a ressecção, paciente apresentava defeito de toda a extensão e espessura da pálpebra inferior direita, além de porção superior malar.
Iniciada a reconstrução de lamela posterior da pálpebra inferior utilizando o retalho tarso- conjuntival de Hughes. Realizado marcação em borda interna de pálpebra superior, de comprimento 25% menor que o defeito apresentado e mantendo borda tarsal de 3mm em pálpebra superior. Incisão sobre marcação em conjuntiva de pálpebra superior e dissecção de retalho abrangendo conjuntiva, tarso e músculo orbicular. Após a liberação do retalho, fixação do mesmo em conjuntiva e tarso medial remanescente de pálpebra inferior e retináculo lateral. Após medir defeito de lamela anterior de pálpebra inferior, realizado marcação de retalho paramediano frontal ipsilateral, com porção cranial de tamanho semelhante ao defeito apresentado. Incisão sobre marcação e dissecção de retalho em sua porção cranial supraperiosteal, preservando a vascularização pela artéria supratroclear. Rotação de retalho paramediano para reconstrução de lamela anterior de pálpebra inferior direita e fixação do mesmo sobre remanescente de pele adjacente ao defeito.
Após o ato cirúrgico, o paciente evoluiu bem, sem intercorrências, mantendo curativos simples em neopálpebra inferior direita, gaze vaselinada em pedículo de retalho paramediano e tampão ocular. Após 3 semanas, realizado nova cirurgia para autonomização de retalhos tarso-conjuntival e paramediano, permitindo abertura ocular adequada desde então. Em acompanhamento pós-operatório, paciente apresentou leve retração palpebral e ectrópio após 3 meses, mantendo drenagem local e orientações para redução da retração. Não apresenta quemose local. Optado por não realizar nenhum procedimento adicional até o momento, visto não haver repercussão clinica ocular do ectrópio e pequeno tempo de pós-operatório.

Discussão

É descrito que 5 a 10% de todos os tumores cutâneos ocorrem na região periocular, com sua maioria de característica maligna, principalmente carcinoma basocelular. Apesar da baixa mortalidade dos tumores cutâneos palpebrais, a morbidade é significativa. (1)
Há variações nas técnicas cirúrgicas em relação à ressecção de carcinoma basocelular, mas em sua maioria descreve-se a definição macroscópica das bordas do tumor, delimitando a diferença de contorno, vascularização, cor de pele e textura, além de margem cirúrgica de 4-7mm. É recomendado a realização de biópsia de congelação, visto que a região periorbitária é uma área nobre e necessita de reconstrução imediata. Não é aceitável ter margens comprometidas para iniciar o processo e haver a possibilidade de recidiva local. (1,3)
A partir da ressecção da lesão, é então avaliada a reconstrução da pálpebra acometida. No caso apresentado, houve exérese de toda a extensão da pálpebra inferior, mantendo ligamentos cantais e mediais; além da retirada de todo a lamela anterior, resultando em defeito com limite profundo em septos de bolsas de gordura infraorbitárias e porção inferior em compartimento de gordura malar.
As pálpebras estão entre as estruturas mais delicadas da face, além de serem importantes componentes funcionais e estéticos. A pálpebra promove a proteção do globo ocular e tem papel crítico na lubrificação dos olhos. O objetivo na reconstrução é reparar o defeito para otimizar o desfecho funcional e estético desta.
A pálpebra inferior se caracteriza por uma estrutura bilamelar, em que a lamela anterior compreende pele e músculo orbicular dos olhos e a lamela posterior é composta do tarso e conjuntiva. O septo orbital na pálpebra inferior se insere no rebordo tarsal, onde se funde com a fáscia capsulopalpebral e cobrem a gordura pre-aponeurotica. No caso descrito, houve ressecção até esta área. Em pacientes com defeito de espessura total, o tamanho do defeito e flexibilidade dos tecidos adjacentes são determinantes para a escolha do melhor procedimento ou combinação destes. (3,4)
Para defeitos de espessura total que compreendem menos que um terço do comprimento da pálpebra, é recomendado fechamento primário. Aqueles que englobam de um terço à metade da pálpebra, é recomendado uso de retalhos de avanço laterais, como retalhos de Tenzel e Mustardé. Para os defeitos envolvendo mais de 50% da pálpebra, é necessário o uso do retalho tarsoconjuntival ou associação de enxertos de mucosa e cartilagem para reconstrução de lamela posterior e outras opções para lamela anterior, como enxerto de pele para defeitos menores e retalhos V-Y e paramediano frontal para defeitos maiores. (3,4)
A escolha do retalho tarsoconjuntival de Hughes para confecção da lamela posterior se deu devido a um defeito maior que 50% da mesma. O retalho, descrito por Hughes em 1937 é baseado no tarso da lamela posterior da pálpebra superior. É realizada a marcação em conjuntiva de pálpebra superior, de tamanho igual ou 25% menor do que o defeito, mantendo 3-4mm do tarso superior, preservando a margem palpebral e a inserção do levantador da pálpebra superior em sua borda. Em um primeiro estágio, o procedimento mantém uma ponte entre a conjuntiva superior e inferior, que é liberada após 3-6 semanas. Há relato de maior risco de ectrópio se essa separação for realizada em período inferior. As complicações do retalho de Hughes incluem mal- posicionamento do rebordo palpebral, como ectrópio ou retração de pálpebra superior. O risco de ectrópio é inerente a toda reconstrução de pálpebra inferior, visto o vetor de cicatrização dos retalhos locais. É orientado em literatura aguardar de 3-6 meses de pós- operatorio para correção de ectrópio, visto possibilidade de diminuição dos sinais locais após cicatrização. Em caso de necessidade de correção, é possível associar incisões subciliares e suspensão lateral de rebordo orbitário. (1,5)
Para a reconstrução da lamela anterior da pálpebra inferior e porção malar superior, foi optado pelo retalho paramediano frontal, visto defeito de grande extensão e segurança do retalho. O retalho paramediano foi descrito pela primeira vez em 700 a.C., na Índia. Embora a pele da região frontal apresente pouca elasticidade, este retalho é usado com muita versatilidade para restaurar a integridade orbital, nasal e das sobrancelhas. O pedículo dominante é composto pela artéria e veia supratroclear. Sua desvantagem é a cicatriz na região frontal e necessidade de um segundo tempo cirúrgico para a separação do pedículo. (6,7)

Conclusão

Todas as reconstruções palpebrais são desafiadoras ao cirurgião plástico. E o melhor resultado está relacionado ao domínio de diferentes técnicas e conhecimento da anatomia e função palpebral A escolha dos retalhos depende muito da localização, extensão e profundidade do defeito. Respeitando os limites anatômicos e características dos tecidos palpebrais, os resultados podem ser excelentes no retorno da função palpebral, com o mínimo de complicações e esteticamente aceitáveis.

Referências

1. Chang, E.I.C. et al. Eyelid Reconstruction. PRSJournal, volume 140, number 5, 724-725. 2017. DOI: 10.1097/PRS.0000000000003820
2. Nemet AY, et al. Management of Periocular Basal and Squamous Cell Carcinoma: A Series of 485 Cases. American Journal of Ophthalmology, volume 142, number 2, 293-297. 2006. DOI: 10.1016/j.ajo.2006.03.055
3. Baker S. Local Flaps in Facial Reconstruction. 3rd ed. Philadelphia: Saunders; 2014.
4. Orgun D, et al. Oncoplastic Lower Eyelid Reconstruction Analysis. The Journal of Craniofacial Surgery, volume 30, number 8, 2396-2400. 2019. DOI: 10.1097/ 
SCS.0000000000005639
5. McClellan WT, Rawson AE. Wendell L. Hughes’ Life and Contributions to Plastic 
Surgery. PRSJournal, volume 128, number 6, 765-772. 2011. DOI: 10.1097/ 
PRS.0b013e318230c9f4
6. Peruzzo A. et al. Reconstrução total de pálpebra inferior com retalho frontal. Arquivo 
Catarinense de Medicina, volume 23, sup 01, 175-177. 2007.
7. Korte RL, et al. Reconstrução de lesões extensas de pálpebras com retalhos de face 
após excisão de neoplasias palpebrais. Rev Boas Cir Plast, volume 33, sup 11, 37-39. 2018. DOI: 10.5935/2177-1235.2018RBCP0038

Palavras Chave

RECONSTRUÇÃO DE PÁLPEBRA INFERIOR; Cirurgia Reconstrutiva;

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Federal de Ipanema - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

ISADORA BOEING, SERGIO DOMINGOS BOCARDO, WILLIAM MICHEL PALERMO FERNANDES NEVES, NATHALIA RIBEIRO PINHO SOUZA, MARJORIE PAVESI FERREIRA