Dados do Trabalho
Título
TRATAMENTO CIRURGICO DE FISSURAS RARAS DE FACE COM ACOMETIMENTO NASAL
Resumo
Em decorrência de sua raridade e variedade de apresentação, o tratamento cirúrgico das fissuras faciais raras envolve abordagens individualizadas. Neste trabalho, apresentaremos nossa experiência com o tratamento cirúrgico de pacientes com fissuras faciais raras, descritas por Tessier. O objetivo é apresentar nossa experiência na correção dessas deformidades, utilizando técnicas do arsenal da cirurgia plástica (zetaplastias, enxertos compostos e retalhos em rotação) para a reconstrução tridimensional dos defeitos faciais. Temos como fim a reabilitação estética e funcional dos pacientes, mantendo o princípio da preservação das subunidades anatômicas da face.
Introdução
As fissuras faciais são malformações congênitas decorrentes da ausência de fusão dos processos embrionários, maxilar, nasal, mandibular e palatino1, que ocorrem até a 12ª semana de gestação.
Em 1976, Tessier2 propõe uma classificação das fendas craniofaciais diante da sua observação clínica, radiológica e cirúrgica. Baseando a numeração no percurso anatômico das fendas nos tecidos moles e no esqueleto craniofacial, a classificação de Tessier enumera as fissuras de 0 a 7 na região facial, de 8 a 14 no crânio e a fissura de número 30 na região mandibular.
Dentro dessa classificação, as fissuras faciais com acometimento nasal apresentam manifestação clínica variável, o que determina a diversidade e a individualidade de seu tratamento cirúrgico. As técnicas disponíveis apresentam número reduzido de publicações, sendo a maioria relatos de caso3.
Com o intuito de contribuir para o arsenal cirúrgico desta rara afecção, o presente trabalho desenvolvido no Hospital da Baleia em Belo Horizonte, traz a descrição de cinco casos de fissuras raras com acometimento nasal tratadas neste serviço.
Objetivo
Apresentar nossa experiência no tratamento de fissuras raras da face com acometimento nasal e contribuir para o arsenal cirúrgico desta rara afecção.
Método
Serão apresentados cinco casos de portadores de fissuras congênitas raras em região nasal sem intervenção cirúrgica prévia. A escolha da estratégia de reconstrução foi baseada no estudo do defeito, considerando sua localização, estruturas acometidas, disponibilidade e qualidade dos tecidos na periferia, a preservação das subunidades anatômicas faciais, bem como a tridimensionalidade das estruturas a serem corrigidas.
Resultado
Caso 1
Paciente do sexo masculino, com fissura facial 3 pela classificação de Tessier, associada a síndrome das bridas amnióticas. Apresenta em associação coloboma de pálpebra inferior à direita e retração com elevação de vermelhão labial a direita.
Optado pela ressecção de protuberância de banda aminiótica, seguida por reconstrução de pálpebra inferior e asa nasal direita. A pálpebra inferior foi reconstruída por meio do avanço de um retalho miocutâneo de Mustardè. Para a reconstrução nasal, foi realizado um retalho de rotação com linha de sutura sobre sulco nasofacial, a fim de preservar a subunidade da parede lateral do nariz, associado à fixação da asa nasal à espinha nasal anterior.
FOTO 01: Imagens do pré operatório (acima) e pós operatório imediato (abaixo).
Caso 2
Paciente do sexo feminino, com 1 ano e 6 meses e fissura número 2 de Tessier. Submetida a zetaplastia para reconstrução de asa nasal, com incisões em plano total dos retalhos para reconstrução do forro nasal concomitante.
FOTO 02: Imagens de pré operatório (acima) e pós operatório imediato (abaixo)
Caso 3
Paciente do sexo masculino, 1 ano de idade, com fissura mediana 0-14 de Tessier. Realizado realinhamento das estruturas cartilaginosas do dorso e da ponta nasal e ressecção do tecido dermocutâneo excedente, através de incisão mediana sobre o dorso nasal. Visou-se abordagem preliminar, com rearranjo das estruturas anatômicas a fim de possibilitar crescimento facial anatômico adequado, para posterior reconstrução e estruturação de dorso nasal.
FOTO 03: Imagens de pré operatório (acima) e pós operatório (abaixo)
Caso 4
Paciente com 12 anos e fissura 2 de Tessier, com queixa de obstrução respiratória, apresentando estenose e colapso de válvula nasal externa a esquerda. Submetida a reconstrução de asa nasal com enxerto composto de cartilagem auricular, mantendo linha de sutura sobre sulco alar.
FOTO 04: Imagens de pré operatório (acima) e pós operatório imediato (abaixo)
Caso 5
Paciente com 7 anos, fissura 2-12 de Tessier, hiperteilorismo e microfttalmia à esquerda. Realizada reconstrução da fissura nasal com sutura de segmentos cartilaginosos da asa nasal e cobertura cutânea por meio da rotação de retalhos triangulares em Z.
FOTO 05: Imagens de pré operatório (à esquerda) e pós operatório (à direita)
Discussão
O tratamento das fissuras raras da face é desafiador para o cirurgião craniofacial. Muitas vezes as deformidades envolvem as estruturas tridimensionalmente, resultando em defeitos de partes moles associados a alteração da estrutura óssea da face. Aquelas que acometem a região nasal ainda envolvem a necessidade de preservação da função respiratória e do crescimento craniofacial.
A classificação consagrada para fissuras raras de face é a de Tessier², que se baseia em relações anatômicas obtidas em observações clínicas e achados pós-operatórios. As fissuras números 0 e 14 situam-se na linha média do crânio e da face. Podem-se apresentar como uma fissura com as características de excesso de tecido ou ausência dos mesmos. O correto diagnóstico é fundamental para abordagem cirúrgica. O tratamento é baseado em sutura dos tecidos moles, em três planos: cutâneo, muscular e mucoso; zetaplastias; tratamento ortodôntico; enxertos ósseos, quando necessário.
Losee e cols.4 em 2004, após identificação de 261 pacientes com anomalias nasais congênitas, propôs uma classificação simplificada dividindo-as anomalias nasais congênitas em quatro tipos. O tipo I, representa hipoplasia e atrofia, com subdesenvolvimento da pele, tecido subcutâneo, músculo, cartilagem e/ou osso. Já o tipo II, consiste em hiperplasia e duplicações, representando anomalias de excesso de tecido, variando de duplicações de partes a múltiplos completos. Na categoria tipo III, as fissuras são classificadas incluindo a classificação de Tessier. As deformidades do tipo IV consistem em neoplasias (benignas e malignas) e anomalias vasculares.
A síndrome da banda amniótica identificada no paciente 1 tem sido proposta como uma sequela da ruptura intrauterina do âmnio, resultando em oligodrâmnio e passagem do feto para a cavidade coriônica. A ruptura do âmnio com perda de líquido amniótico, causa compressão fetal e isquemia fetal localizada, possivelmente resultando em um mecanismo patogênico de malformações extremamente variáveis. A proeminência dos processos nasais e do orifício estomodeal adjacente facilita a fixação e aderência da banda livre, resultando em um espectro de defeitos faciais com orientação semelhante5.
As fissuras nasais, como as fissuras 1 e 2 de Tessier, possuem impacto sobre a forma e função nasal. Suas alterações geralmente modificam a cavidade interna e externa nasal, interferindo no fluxo do ar, podendo levar a respiração oral e influenciando no desenvolvimento craniofacial6.
A abordagem dos defeitos de asa nasal deve ser baseada na reconstrução do forro e do esqueleto nasal associada a cobertura cutânea. Quando necessário, o forro nasal e o esqueleto da asa nasal são reconstruídos por meio da confecção de um retalho condromucoso do septo nasal. A correção do defeito cutâneo, por sua vez, consiste na realização de uma zetaplastia3. Retalhos triangulares em Z apresentam o inconveniente de deixar cicatrizes no dorso nasal, mas se relacionam com menor retração tegumentar, e consequentemente, com melhor resultado estético e funcional a longo prazo.
A abordagem das fissuras 3 e 4 de Tessier, por sua vez, é baseada no avanço de retalhos cutâneos com restauração da musculatura facial e no posicionamento das linhas de sutura sobre os sulcos da face, mantendo o princípio de preservação das subunidades anatômicas da face. Essa técnica foi ilustrada por Chen em uma série de 14 casos publicada em 2012, em comparação com a correção por meio de zetaplastias10. Foi observado resultado estético satisfatório, cicatrizes mais discretas e expressão facial mais natural nas crianças submetidas ao estudo.
Um desenvolvimento estrutural adequado aumenta o formato anatômico dos componentes faciais, facilitando as reparações e permitindo maior exatidão nas aproximações futuras. No primeiro tempo, as correções limitam-se aos tecidos moles. As estruturas ósseas deformadas são corrigidas posteriormente de acordo com a individualidade de cada paciente7.
Evidentemente, outros procedimentos cirúrgicos devem ser programados com o avançar da idade e crescimento ósseo, tais como tratamento ortodôntico, rinoplastia e enxerto composto se necessário.
Conclusão
As fissuras nasais são de tal maneira raras e de apresentações múltiplas, sendo seu tratamento um desafio. O tratamento dessas fissuras emprega uma variedade extrema de recursos devido às características peculiares a cada caso, sendo sua programação individualizada. A reestruturação da anatomia facial com reconstrução de componentes de assoalho nasal, projeção nasal, preservando a função de respiração devem nortear a intervenção cirúrgica. Atendimentos multidisciplinares são fundamentais para o sucesso terapêutico.
A escassez literária alerta para a necessidade de documentação e elaboração de estudos que comparem diferentes táticas para o tratamento desta rara afecção.
Referências
1- Freitas JAS, Neves LT, Almeida ALPF, Garib DG, Trindade-Suedam IK, Yaedú RYF, et al. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies/USP (HRAC/ USP) - Part 1: overall aspects. J Appl Oral Sci. 2012;20(1):9-15. http:// dx.doi.org/10.1590/S1678-77572012000100003. PMid:22437671.
2- Tessier P. Anatomical classification of facial, cranio-facial and laterofacial clefts. J Maxillofac Surg. 1976;4(2):69-92.
3- Giglio, Alcir Tadeu et al. Correção cirúrgica das fissuras congênitas da asa nasal. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(4): 263-6
4- Losee, Joseph E. M.D.; Kirschner, Richard E. M.D.; Whitaker, Linton A. M.D.; Bartlett, Scott P. M.D.. Congenital Nasal Anomalies: A Classification Scheme. Plastic and Reconstructive Surgery 113(2):p 676-689, February 2004. | DOI: 10.1097/01.PRS.0000101540.32533.EC
5- Morovic CG, Berwart F, Varas J. Craniofacial anomalies of the amniotic band syndrome in serial clinical cases. Plast Reconstr Surg. 2004 May;113(6):1556-62. doi: 10.1097/01.prs.0000117185.25173.38. PMID: 15114114.
6- Bertier CE, Trindade IEK. Deformidades nasais: avaliação e tratamento cirúrgico. In: Trindade IE, Silva Filho OG. Fissuras labiopalatinas: uma abordagem Interdisciplinar. São Paulo: Ed. Santos; 2007. p. 87-107
7- Lage RR, Araújo GKM, Heitor BS, Oliveira LGL. Tessier 0-14 Cleft: Surgical Management Report of One Atypical Case. Rev. Bras. Cir. Plást.2008;23(1):58-60
8- Tessier P. Anatomical classification facial, cranio-facial and latero-facial clefts. J Maxillofac Surg. 1976;4(2):69-92.
9- Van Slyke AC, Burge J, Bos R, Parker G, Chong DK. The Anatomical Subunit Approach to Managing Tessier Numbers 3 and 4 Craniofacial Clefts. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2022 Sep 28;10(9):e4553. doi: 10.1097/GOX.0000000000004553. PMID: 36187274; PMCID: PMC9521789.
10- Chen PK, Chang FC, Chan FC, et al. Repair of Tessier no. 3 and no. 4 craniofacial clefts with facial unit and muscle reposition- ing by midface rotation advancement without Z-plasties. Plast Reconstr Surg. 2012;129:1337–1344.
Palavras Chave
Anormalidades craniofaciais; Fissura nasal; Fissura rara
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Fundação Benjamin Guimarães/Hospital da Baleia - Minas Gerais - Brasil
Autores
THAIS MOREIRA, ANDRE LUIZ MONTEIRO DOS SANTOS MARINS, HUGO LEONARDO DE RESENDE RODRIGUES, MARIANA SISTO ALESSI, MATEUS TEIXEIRA ALFENAS, BRUNO MEILMAN FERREIRA