60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

PROCESSAMENTO DE PELE HUMANA EM BANCO DE TECIDOS: ESTUDO EXPERIMENTAL DE UM NOVO PROTOCOLO DE CONSERVAÇAO

Resumo

INTRODUÇÃO: O glicerol é o principal agente antimicrobiano utilizado pelos bancos de tecidos, porém estudos anteriores mostraram altas taxas de descarte (30,9%) por contaminação bacteriana das peles doadas. Para tentar diminuir os descartes, foi criado um novo protocolo para conservação das peles doadas, com a adição de antibióticos no meio de descontaminação.
OBJETIVO: Avaliar se o novo protocolo é capaz de minimizar o crescimento bacteriano após o uso do meio de descontaminação.
MÉTODOS: Foram utilizados fragmentos obtidos da doação da pele de abdominoplastia, que foram cortados (2x2 cm) e divididos em grupos. Para simular a contaminação por bactérias gram positivas e gram negativas, foi feita a contaminação das amostras isoladamente e separadamente com Staphylococcus aureus e Escherichia coli. Os fragmentos foram divididos em 4 grupos: Grupo pele não contaminada (controle negativo), Grupo pele contaminada (controle positivo), Grupo protocolo antigo (pele descontaminada com glicerol 90%), e o Grupo protocolo atual (pele descontaminada com glicerol 90% mais antibióticos: gentamicina, vancomicina e meropenem). As etapas desse estudo simularam o processamento feito para peles doadas, desde a retirada da pele no centro cirúrgico, até a liberação para uso. Realizou-se três culturas nos três últimos grupos. A primeira cultura foi feita para analisar se a pele está contaminada. A segunda, feita após a descontaminação, para avaliar se a solução foi eficiente. A terceira foi realizada após o empacotamento das peles, para avaliar a descontaminação previamente a liberação do tecido para doação.
RESULTADOS: Os controles positivos e negativos funcionaram adequadamente. Nos fragmentos contaminados com S.aureus com uso protocolo antigo, todas as culturas foram positivas. Nos fragmentos do grupo protocolo atual (com antibióticos), resultaram positivo apenas na primeira cultura, não ocorrendo crescimento na segunda e terceira cultura. Nos grupos contaminados por E. coli, tanto o protocolo antigo como o atual inibiram o crescimento desse grupo bacteriano na cultura final.
CONCLUSÃO: O acréscimo de antibióticos na solução de descontaminação foi eficiente para inibir o crescimento de bactérias gram positivas e gram negativas com igual eficiência. O uso desse meio de descontaminação poderá minimizar a taxa de descartes das peles doadas processadas pelo banco de pele, beneficiando, assim, um maior número de pacientes que necessitem do aloenxerto alógeno.

Introdução

A pele humana alógena é um curativo biológico para feridas complexas resultantes de traumas e queimaduras. O aloenxerto é proveniente de doadores cadavéricos e sua conservação e obtenção devem seguir um controle de qualidade e segurança rigoroso em todas as etapas do processo, desde a criteriosa seleção e captação dos doadores, até conservação e armazenamento, a fim de reduzir o risco de contaminação e transmissão de agentes patogênicos. (1,2,5)
A contaminação microbiana é a principal causa de descarte de enxertos de pele em bancos de tecido. (7) Um estudo sobre gestão do Banco de Pele Humana feito entre os anos 2013 a 2018 em Curitiba-PR, observou-se que no período em que era utilizado glicerol em concentração de 50%, cerca de 30,9% das peles doadas foram descartadas por contaminação de microrganismos. (1) A fim de diminuir tal taxa, o banco de pele optou por aumentar a concentração do glicerol para 90%, diminuindo a taxa de descarte para 22,5%. (1)
Ainda assim, uma alta quantidade de peles doadas continuava a ser descartada por contaminação bacteriana (1). Para tentar a taxa de descartes, a equipe do banco de pele humana elaborou um novo meio de conservação de pele, com a inclusão d antibióticos ao meio de descontaminação. Esse estudo visou comparar o protocolo antigo (com o uso de glicerol 90%) com o atual (com adição de antibióticos) e, verificar se há vantagens no uso dessa nova forma de conservação da pele doada.

Objetivo

Avaliar se o novo protocolo é capaz de minimizar o crescimento bacteriano após o uso do meio de descontaminação.

Método

As amostras de pele utilizadas para esse estudo foram doadas por uma única voluntária do sexo feminino, sem comorbidades ou doenças agudas no momento da coleta. A paciente realizou uma abdominoplastia estética.
Na rotina da doação, as peles são retiradas de doadores cadáveres em centro cirúrgico, seguindo os princípios de assepsia e antissepsia padrão para procedimento cirúrgico. Em seguida, as peças são submetidas a primeira cultura que tem como objetivo verificar se está contaminada. Após, são colocadas em solução de glicerol 50% para o transporte até o banco de tecidos. Em até 92 horas após retirada, a pele doada deve ser colocada em solução descontaminante, por período menor que 72 horas (9). Em seguida, as peles são lavadas com solução salina e realiza-se a segunda cultura, para confirmar a descontaminação dos mesmos. Enquanto aguarda o resultado desta cultura, a pele é conservada em glicerol 90% por 3 horas sob agitação a 36°. Em seguida, é refrigerada por 7 dias, que é o tempo necessário para liberação do resultado da cultura. Com o resultado negativo, será realizada uma terceira cultura de pele, que visa confirmara descontaminação da peça. Por fim, com todos resultados negativos, a pele é liberada para uso, sendo armazenada em refrigeradores da sala de tecidos liberados, podendo ser utilizada em até 2 anos.
O planejamento do experimento visou testar a eficiência da solução de descontaminação, composta pelos antibióticos vancomicina, gentamicina e meropenem, em inibir o crescimento de E. coli e S. aureus.
As etapas desse estudo simularam o processamento das peles doadas, desde a retirada da pele no centro cirúrgico, até a liberação para o uso. A fase de contaminação realizada no estudo foi feita para simular um tecido que chegou do hospital ao banco de pele já contaminado. A primeira cultura foi feita para analisar se a pele está ou não contaminada. A segunda cultura, feita após a descontaminação, tem como objetivo confirmar se a solução utilizada foi eficiente. A terceira cultura foi realizada após o empacotamento das peles, visando confirmar a descontaminação para liberação do tecido para doação. A imagem 1 disponibiliza as etapas de como o estudo foi planejado.
A escolha dos antibióticos para o protocolo foi feita pela equipe de infectologia do hospital onde ocorreu o estudo e foi levado em consideração a frequência dos principais microrganismos que afetam os aloenxertos, o custo e a disponibilidade para compra.
Bactérias gram positivas e gram negativas são os microrganismos mais frequentemente identificados nos aloenxertos de peles (1). Sendo assim, as bactérias utilizadas nesse estudo foram Escherichia coli ATCC 25922 e Staphylococcus aureus ATCC 25923.
Fungos e bactérias esporuladas são menos comuns e mais difíceis de serem eliminadas. Caso tais patógenos sejam identificados, as peles são imediatamente descartadas.
Em todos os grupos que tiveram contaminação bacteriana, dez amostras foram contaminadas por S.aureus e dez por E.coli. A contaminação ocorreu pela inoculação das amostras em tubos com solução de microrganismos na concentração 10³ UFC/ml de cada uma das bactérias em teste, por 24 horas.
As culturas foram feitas em meios de cultura apropriados (tubos com 90 ml caldo TSB, Newprov, Brasil) e seguiram o protocolo de cultura utilizado do laboratório de microbiologia do HUEM. A análise qualitativa é feita pela observação do aparecimento de turvação dos caldos ou mudança de coloração. Quando encontradas alterações do caldo de cultivo, as amostras são encaminhadas para identificação do microrganismo de acordo com os protocolos do laboratório.
A coleta da pele foi realizada de forma estéril. O procedimento utilizou um dermátomo elétrico, retirando amostras com espessura de 0,4 mm, tal como recomendado para captação de pele de doadores falecidos. A partir dessas amostras doadas, foram preparados 80 fragmentos de pele, com tamanho 2 cm de largura por 2 cm de comprimento. Os fragmentos foram divididos em quatro grupos, cada um deles contendo 20 amostras de pele em cada, distribuídas de forma aleatória.
Para o experimento, os quatro grupos foram divididos conforme a imagem 2.

Resultado

A imagem 3 disponibiliza os achados no experimento realizado. Nos fragmentos utilizados como controles negativos e positivos para ambas as bactérias, obteve-se resultados qualitativos adequados.
Verificou-se maior eficiência na inibição de crescimento bacteriano com o protocolo atual, dado que a partir da cultura 2 não houve positividade para ambas as bactérias. Constatou-se resultados diferentes de acordo com o microrganismo em teste, todas culturas contaminadas com E.coli deram negativas, enquanto que para o S.aureus, o processo de descontaminação antigo não foi eficiente para inibir o crescimento bacteriano.

Discussão

Em relação às diferentes formas de descontaminação das peles, a maioria dos bancos para o armazenamento das peles utiliza soluções de glicerol em concentrações superiores a 85% (5). O glicerol atua diminuindo o teor de água disponível para as células microbianas, causando lise osmótica. (5) A parede celular das bactérias gram negativas apresenta uma camada de peptideoglicano mais fina, tornando tais bactérias mais suscetíveis à destruição pelas altas concentrações de glicerol. Por outro lado, as bactérias gram positivas têm na sua parede celular uma espessa camada de peptideoglicano, sendo mais resistentes à lise osmótica pelo glicerol. Tal fato pode justificar o crescimento do S.aureus na terceira cultura, feita após descontaminação dos fragmentos com o glicerol 90%, feita no protocolo antigo. O glicerol pode conservar a estrutura da pele em até dois anos (10) e era o produto utilizado para conservação e descontaminação da pele do Banco de Multitecidos Humanos do HUEM até 2022. No entanto, em estudo anterior realizado no mesmo local, a taxa de descartes encontrada por contaminação foi considerada alta (30,9%), ocorrendo principalmente por bactérias gram-positivas, com cerca de 57% dos casos. (1) Dessa forma, a redução da taxa de contaminação das peles doadas foi tratada como prioridade pela equipe do banco de peles, e novas soluções foram buscadas.
Com a adição de antibióticos ao meio de descontaminação, observou-se nesse experimento o não crescimento de nenhuma espécie bacteriana após a descontaminação. Ainda são controversos quais antibióticos e as concentrações ideais desses para a manutenção da integridade da pele doada. (8) No caso dos antibióticos utilizados nessa pesquisa, a equipe do banco de pele, assessorada pela equipe de infectologia e baseados em dados epidemiológicos, escolheu a associação de vancomicina, gentamicina e meropenem.. Alguns estudos realizados em outros bancos de tecido testaram diferentes antibióticos para conservação da pele doada e todos obtiveram taxa de descarte diminuída. Pirnay et al. (2012) testaram penicilina, estreptomicina e anfotericina B. (8) Pianigiani et al. (2010) utilizaram penicilina e estreptomicina em glicerol 85%. (8) Neely et al. (2008) utilizaram penicilina, estreptomicina, canamicina, gentamicina e nistatina. (8) Estas combinações de antibióticos resultaram em uma maior redução de taxa de descartes dos aloenxertos, sendo de 1,4%, 1,2% e 0%, respectivamente.

Conclusão

Nosso estudo mostra que o novo protocolo com a adição de antibióticos no meio de descontaminação foi eficiente para inibição do crescimento de bactérias gram positivas e negativas nas peles doadas. Dessa forma, espera-se que com o uso desse meio, a taxa de descartes por contaminação bacteriana das peles doadas seja muito reduzida em nosso banco de tecidos.

Referências

1.Sanson ES, Calegari LR, Calomento LH, Veiga CB, Campos MD, Nisihara R. Gestão e produtividade de um banco de pele do sul do Brasil: avaliação de 5 anos de funcionamento. Rev Bras Queimaduras 2019;18(3):140-144.
2.Tognetti L, et al. Current insights into skin banking: storage, preservation and clinical importance of skin allografts. Journal of Biorepository Sciencie for Applied Medicine. 2017; 5:41-56.
3.Wang C, Zhan F, Lineaweaver WC. Clinical Applications of Allograft Skin in Burn Care. Annals of Plastic Surgery. 2020; 84: S158-S160.
4.Kua EHJ, Goh CQ, Ting Y. Comparing the use of glycerol preserved and cryopreserved allogenic skin for the treatment of severe burns: differences in clinical outcomes and in vitro tissue viability. Cell Tissue Bank. 2012; 13:269-279.
5.Meneghetti KL. Caracterização microbiológica de pele alógena: Proposta de novos métodos de tratamento antimicrobiana para sua utilização como aloenxerto. [trabalho de conclusão de curso]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; 2018
6.Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Upload. Arquivos. [Internet]. 2015. [Acesso em 21 jul. 2023]. Disponível em: https://cevs.rs.gov.br/upload/arquivos/201705/18112318-rdc-55-2015-boas-praticas-em-tecidos-14-12-2015.pdf
7.Meneghetti KL, do Canto Canabarro M, Otton LM, Dos Santos Hain T, Geimba MP, Corção G. Bacterial contamination of human skin allografts and antimicrobial resistance: a skin bank problem. BMC Microbiol. 2018;18(1): 121.
8.Johnston C, Callum J, Mohr J, et al. Disinfection of human skin allografts in tissue banking: a systematic review report. Cell Tissue Bank. 2016;17(4):585-592.
9.Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Assuntos. Farmacopeia. [Internet]. 2019. [Acesso em 15 jul. 2023] Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/farmacopeia/farmacopeia-brasileira/VOLUME1FB6at2Erratappdfcomcapa.pdf
10. Santos, J. R. dos. Contributions of the nursing team in the care of patients diagnosed with brain death admitted to the intensive care unit. Research, Society and Development 2023;12(2).
11.Brasil. Resolução RDC - n° 707, de 1 de julho de 2022. Dispõe sobre Boas Práticas em Tecidos Humanos para uso terapêutico. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2022. Seção DO1, p. 164-170.

Palavras Chave

queimaduras; Aloenxerto; Transplante de pele.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

FACULDADE EVANGÉLICA MACKENZIE - Paraná - Brasil, HOSPITAL UNIVERSITÁRIO EVANGÉLICO MACKENZIE - Paraná - Brasil

Autores

THAYLINE MYLENA SANTANA DE CAMARGO, CAROLINA DA SILVEIRA WELTER, CAROLINA INOCÊNCIO ALVES, GIOVANA MAIER TECHY, LUIZ HENRIQUE AUERSWALD CALOMENO