60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

IMPACTO DA TERAPIA A VACUO NA RECONSTRUÇAO DE FERIDAS TRAUMATICAS EM HOSPITAL DE REFERENCIA NO SUL: UM ESTUDO PROSPECTIVO.

Resumo

Introdução: Feridas traumáticas de membros geralmente exigem tratamento cirúrgico, com o cirurgião plástico desempenhando um papel crucial na reconstrução das partes moles. A terapia a vácuo (TPN) acelera a cicatrização, reduzindo a complexidade da reconstrução, sendo uma aliada importante nesses casos.
Objetivo(s): Avaliar o sucesso e fatores associados na reconstrução a curto prazo de feridas traumáticas com TPN, comparadas ao curativo tradicional.
Método: Estudo coorte prospectivo de pacientes adultos submetidos à reconstrução de feridas traumáticas de membros, acompanhados até 15 dias pós-cirurgia. Dados foram coletados e analisados estatisticamente.
Resultados: Incluídos 33 pacientes e 50 feridas. Grupo TPN mostrou maior taxa de fechamento a curto prazo (83,3% vs. 50%). Uso da TPN aumentou chance de sucesso em quase seis vezes. Cada dia a mais de internamento reduziu sucesso em 6,5%. Lesões até a camada muscular tiveram menor taxa de sucesso.
Conclusão: Tempo de internamento afeta reconstrução de feridas traumáticas. TPN aumenta sucesso no fechamento a curto prazo e deve ser considerada no manejo de traumas em membros.

Introdução

O trauma é a principal causa de morte em pessoas menores de 39-45 anos no mundo. No Brasil, a topografia mais comum das lesões traumáticas é o membro inferior, que requer intervenção cirúrgica em até 89,5% dos casos. Isso preocupa, pois a morbidade gerada impacta diretamente a população economicamente ativa. Em traumas graves, 85% dos pacientes evoluem com fraturas combinadas de membros, muitas associadas a lesões extensas de partes moles, o que aumenta o risco de complicações devido à resposta inflamatória sistêmica gerada pelo trauma, exigindo uma abordagem multidisciplinar (1,2,3,4).
A cirurgia plástica desempenha um papel crucial no processo reconstrutivo das feridas traumáticas de membros, desde o atendimento inicial com desbridamentos seriados e orientação de curativos até a etapa final da reconstrução, utilizando enxertos e/ou retalhos. Esta atuação visa corrigir as feridas para reabilitar o paciente, permitindo que ele retorne às suas atividades e evitando medidas drásticas, como a amputação (1,3,5,6).
A terapia por pressão negativa (TPN), também conhecida como curativo a vácuo, é uma medida provisória usada para otimizar o leito da ferida, preparando-o para a etapa reconstrutiva final. Apesar de ser conhecida e utilizada há 30 anos, poucos estudos comparativos avaliam seus resultados em lesões traumáticas de membros em comparação aos curativos tradicionais, especialmente em termos de fechamento das feridas. Portanto, o objetivo deste estudo é comparar o uso da TPN e curativos comuns em feridas traumáticas de membros, ajudando a compreender sua repercussão no planejamento e escolha do tratamento definitivo reconstrutivo, seu impacto e resultados no sucesso da reconstrução, determinando assim as aplicabilidades desta terapia. (7,8)

Objetivo


Comparar o uso da TPN e curativos comuns em feridas traumáticas de membro, para identificar a repercussão disso no planejamento do tratamento definitivo reconstrutivo, o impacto e resultados no sucesso de reconstrução, determinando, assim, as aplicabilidades desta terapia.

Método

Estudo de coorte prospectivo realizado no serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Trabalhador em Curitiba, PR, entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2024. Os critérios de inclusão foram pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos, que concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e que apresentavam lesões traumáticas em membros inferiores e superiores, com perda de substância de tecidos moles ou exposição de áreas nobres, cujo fechamento primário não seria possível ou foi contraindicado. Foram excluídas lesões causadas por queimaduras (térmicas, elétricas ou químicas), ação de animais peçonhentos e presença de vasculite.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: 1) curativo tradicional e 2) curativo à vácuo, sendo a escolha do curativo feita por cirurgiões plásticos do serviço, não envolvidos no estudo.

Em ambos os grupos, coletaram-se dados de prontuários, descrições cirúrgicas e evoluções de internação e ambulatoriais, incluindo: sexo, idade, comorbidades, etiologia e região da lesão, tamanho e profundidade da ferida, outras lesões associadas, datas de atendimento e avaliações, número de debridamentos, tempo entre o primeiro atendimento e a cirurgia reconstrutora (definida como aquela que não era puramente debridamento ou colocação do curativo à vácuo e envolvia o uso de uma técnica da escada reconstrutiva), tempo de curativo e a cirurgia reconstrutora, opção reconstrutiva realizada, sucesso no fechamento da ferida em 15 dias, número total de cirurgias reconstrutoras em 15 dias, e complicações locais das feridas.

Os dados foram coletados e armazenados em uma planilha do Microsoft Excel. A análise das variáveis quantitativas foi feita por Teste T de Student ou U de Mann-Whitney. As variáveis qualitativas foram avaliadas por Qui Quadrado ou Teste Exato de Fisher. Para as variáveis que mostraram significância (p<0,05), foi criado um modelo de regressão logística binária e estimados valores de odds ratio (OR) com intervalos de confiança de 95% (IC 95%), para avaliar fatores associados ao fechamento a curto prazo. Todos os testes foram bicaudais e os valores de p<0,05 foram considerados significativos. A análise de dados foi realizada com o SPSS v.29.0.

Resultado

Foram analisados 33 pacientes e 50 feridas (Fig. 1). Os grupos foram semelhantes em número de homens e mulheres, idade, presença de comorbidades, quantidade e tamanho das feridas. No entanto, o grupo 2 apresentou maior proporção de feridas acometendo até a camada óssea, enquanto o grupo 1 teve mais feridas atingindo até a camada subcutânea (Tabela 1; Fig. 2). No grupo da TPN, a colisão foi a principal causa das lesões (55,55%), seguida de queda de veículo e trauma direto (cada um com 11,11%). No grupo tradicional, a colisão também foi a principal causa (28,12%), seguida de mordedura canina (18,75%).

O tempo médio entre o primeiro atendimento e o pedido de parecer foi de 9±15 dias, da resposta do parecer até a primeira cirurgia reconstrutora foi de 17±13 dias, e do curativo até a cirurgia foi de 16±14 dias, totalizando 30±23 dias desde a admissão até a cirurgia reconstrutora. As feridas do grupo da TPN atingiram fechamento ou epitelização total a curto prazo (após 15 dias da primeira cirurgia reconstrutora) em maior proporção do que as feridas do grupo tradicional (83,3% vs. 50%, p=0,02). Não houve diferença nas proporções de complicações, número de debridamentos ou número de cirurgias necessárias para finalizar a reconstrução (Tabela 2).

Em relação às opções reconstrutivas, no grupo 1, optou-se pelo enxerto de pele parcial em 62,5% das feridas, seguido do retalho regional em 28,1% dos casos. No grupo 2, 61,1% das feridas foram tratadas com enxerto de pele parcial, seguido de 33,3% com retalho regional. As proporções entre os grupos não foram diferentes (Tabela 3). Um modelo de regressão logística binária avaliou fatores associados ao sucesso na reconstrução, incluindo profundidade da lesão, grupo do curativo e tempo do primeiro atendimento até a cirurgia reconstrutora. O modelo foi significativo (p<0,001), com acurácia de 82%. Ser alocado no grupo da TPN aumentou em quase seis vezes a chance de sucesso na cicatrização a curto prazo (OR = 5,993, IC 95% = 1,058 – 33,962). Cada dia a mais entre o primeiro dia de internamento até a cirurgia reconstrutora reduziu o sucesso na cicatrização a curto prazo em 6,5% (OR = 0,935, IC 95% = 0,889 – 0,985). Lesões atingindo a camada muscular tiveram menor taxa de sucesso na cicatrização a curto prazo (OR = 0,39, IC 95% = 0,003 – 0,469) comparadas a lesões atingindo a camada óssea (Tabela 4).

Discussão

As feridas traumáticas incluem um grupo de feridas agudas, geralmente extensas, com perda de substância, associadas ou não a fraturas. A TPN auxilia no processo de cicatrização por meio de macro e micro deformações mecânicas. As macrodeformações são causadas pela pressão negativa nas bordas da ferida, criando forças centrípetas que ajudam na contração e redução das dimensões da lesão. As microdeformações atuam no citoesqueleto, promovendo divisão e migração celular, além de liberar fatores de crescimento que influenciam na angiogênese e formação de tecido de granulação. A drenagem do exsudato reduz o edema, substratos tóxicos e carga bacteriana (9, 10).

Esses efeitos benéficos aceleram a cicatrização, permitindo uma reconstrução menos complexa em muitos casos, sendo possivelmente a razão para casos do grupo da TPN terem apresentado uma maior taxa de sucesso no fechamento a curto prazo das feridas (15 dias), seis vezes quando comparado ao grupo tradicional (OR = 5,993, IC 95% = 1,058 – 33,962), com 62% das feridas cicatrizadas ao final desse período. Estudos semelhantes demonstraram menor tempo de tratamento em feridas agudas e crônicas com o curativo a vácuo (11).

Outro dado relevante foi o tempo entre o dia da admissão no hospital e a cirurgia reconstrutora final, uma vez que nosso estudo demonstrou que cada dia a mais de internamento até a reconstrução reduziu o sucesso na cicatrização a curto prazo em 6,5% (OR = 0,935, IC 95% = 0,889 – 0,985). Uma possível solução seria a introdução de equipes ortoplásticas nos hospitais, que combina o tratamento ósseo da ortopedia e o cuidado com partes moles pela cirurgia plástica para abordagem conjunta de lesões de membros inferiores, já na admissão do paciente no pronto atendimento

Feridas atingindo camada muscular tiveram menor sucesso na cicatrização a curto prazo do que as que atingiram a camada óssea (OR = 0,39, IC 95% = 0,003 – 0,469). Isso pode ser atribuído ao fato de que as feridas musculares foram mais frequentemente tratadas com curativos tradicionais, resultando em tempos de tratamento mais longos antes da cirurgia reconstrutiva enquanto as feridas mais profundas foram prontamente manejadas com TPN, seguida de cirurgia reconstrutiva.

Estudos com maior número de feridas avaliadas e maior tempo de seguimento são necessárias, a fim de comparar a cicatrização de feridas de difícil manejo, tempo total de internação, custo hospitalares, bem como complicações e sequelas a longo prazo.

Conclusão

O tempo de internamento dos pacientes com lesões traumáticas de membros tem influência negativa direta na taxa de sucesso da reconstrução, e por isso, a sistematização do atendimento com avaliação precoce da equipe de cirurgia plástica deve ser prioridade.
O uso da TPN levou a uma maior taxa de sucesso no manejo dessas feridas a curto prazo, mas não impactou no número de procedimentos cirúrgicos necessários nem na escolha da técnica reconstrutora final utilizada. Seu uso deve ser sempre considerado no manejo de traumas em membros com perda de tecidos moles.

Referências

1.Coltro PS, Ferreira MC, Batista BP, Nakamoto HA, Milcheski DA, Tuma Júnior P. Atuação da cirurgia plástica no tratamento de feridas complexas. Rev Col Bras Cir. Dez 2011;38(6):381-6. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0100-69912011000600003

2.Costa ML, Achten J, Knight R, Bruce J, Dutton SJ, Madan J, Dritsaki M, Parsons N, Fernandez M, Grant R, Nanchahal J. Effect of incisional negative pressure wound therapy vs standard wound dressing on deep surgical site infection after surgery for lower limb fractures associated with major trauma. JAMA. 11 fev 2020;323(6):519. Disponível em: https://doi.org/10.1001/jama.2020.0059

3.Motoki TH, Carvalho KC, Vendramin FS. Perfil de pacientes vítimas de trauma em membro inferior atendidos pela equipe de cirurgia reparadora do Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência. Rev Bras Cir Plast. Jun 2013;28(2):276-81. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1983-51752013000200018

4.Santos LD, Fonseca JM, Cavalcante BL, Lima CM. Estudo epidemiológico do trauma ortopédico em um serviço público de emergência. Cad Saude Coletiva. Dez 2016;24(4):397-403. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462x201600040128

5.Mello DF, Assef JC, Soldá SC, Helene Jr A. Degloving injuries of trunk and limbs: comparison of outcomes of early versus delayed assessment by the plastic surgery team. Rev Col Bras Cir. Jun 2015;42(3):143-8. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-69912015003003
Milcheski DA, Ferreira MC, Nakamoto HA, Pereira DD, Batista BN, Tuma Jr P. Uso da terapia por pressão subatmosférica em feridas traumáticas agudas. Rev Col Bras Cir. Out 2013;40(5):392-7. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0100-69912013000500008

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7.Iheozor-Ejiofor Z, Newton K, Dumville JC, Costa ML, Norman G, Bruce J. Negative pressure wound therapy for open traumatic wounds. Cochrane Database Syst Rev. 3 jul 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1002/14651858.cd012522.pub2

8.Normandin S, Safran T, Winocour S, Chu CK, Vorstenbosch J, Murphy AM, Davison PG. Negative pressure wound therapy: mechanism of action and clinical applications. Semin Plast Surg. Ago 2021;35(03):164-70. Disponível em: https://doi.org/10.1055/s-0041-1731792

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11. Yao M, Fabbi M, Hayashi H, Park N, Attala K, Gu G, French MA, Driver VR. A retrospective cohort study evaluating efficacy in high-risk patients with chronic lower extremity ulcers treated with negative pressure wound therapy. Int Wound J. 19 nov 2012;11(5):483-8.

Palavras Chave

Cirurgia Reconstrutiva; Tratamento de Ferimentos com Pressão Negativa; Membros.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Paraná - Brasil

Autores

ISABELLA CORREA DE OLIVEIRA, PIETRO MARAN NOVAIS, LETICIA FERNANDES DE SOUZA PORTO, GABRIEL VICTOR WERNER, MAITÊ MATEUS, RENATO DA SILVA FREITAS