Dados do Trabalho
Título
USO DE ANASTOMOSE LINFOVENOSA EM RETALHO LIVRE MICROCIRURGICO PARA MELHORA DO EDEMA POS-OPERATORIO: UM RELATO DE CASO
Resumo
O uso dos retalhos microcirúrgicos tem como objetivo restabelecer a função e restaurar a forma, principalmente nos casos de impossibilidade de outros retalhos ou quando as tentativas de cobertura com outras técnicas não obtiveram sucesso. Com o avanço das técnicas em microcirurgia, o uso das anastomoses linfovenosas ganhou espaço e já é algo bem definido no tratamento cirúrgico do linfedema, principalmente em pacientes portadores de câncer de mama.
No entanto, ainda há uma escassez de estudos demonstrando o uso desta técnica em retalhos livres microcirúrgicos, com objetivo de auxiliar no controle do edema pós-operatório do retalho, a fim de auxiliar na recuperação pós-operatória e minimizar possíveis complicações.
Este trabalho visou relatar o caso de um paciente masculino de 63 anos no qual foi realizado um retalho livre microcirúrgico ânterolateral da coxa esquerda, com anastomose linfovenosa, na intenção de auxiliar a drenagem linfática do retalho para aumentar as chances de sucesso pós-operatório, visto que o membro receptor do paciente já encontrava-se com a drenagem linfática prejudicada devido às múltiplas complicações e abordagens cirúrgicas anteriores no mesmo internamento.
Pela experiência da Equipe Cirúrgica que realizou o procedimento, a qual tem realizado outros casos semelhantes, acredita-se que a anastomose linfovenosa auxiliou no controle do edema pós operatório do retalho, porém são necessários novos estudos para verificar com objetividade o grau de eficácia da técnica nos retalhos livres microcirúrgicos e validar os resultados obtidos.
Introdução
Com o avanço das técnicas cirúrgicas, a utilização das anastomoses linfovenosas passou a fazer parte do tratamento cirúrgico do linfedema. Desde então, foram relatados vários estudos clínicos sobre o seu uso bem-sucedido nesta condição ¹, principalmente relacionados ao câncer de mama. Contudo, poucos estudos demonstram seu uso em retalhos livres microcirúrgicos, com objetivo de auxiliar no controle do edema pós-operatório do retalho, a fim de ajudar na recuperação pós-operatória e minimizar possíveis complicações.
Em estudos sobre anastomose linfovenosa no tratamento do linfedema, verificou-se que ela ajuda mecanicamente a drenagem linfática e também demonstrou diminuir o processo inflamatório envolvido na progressão da doença ². Assim, acredita-se que ela também possa contribuir para melhora do edema pós-operatório nos retalhos livres, principalmente em pacientes suscetíveis à desenvolver linfedema ou naqueles que já possuem a drenagem linfática do membro receptor prejudicada.
Objetivo
Relatar o caso de um paciente com fratura exposta de úmero esquerdo, com múltiplas abordagens cirúrgicas e exposição do material de osteossíntese, no qual foi realizado um retalho livre microcirúrgico ânterolateral da coxa esquerda, com anastomose linfovenosa na intenção de auxiliar a drenagem linfática do retalho para aumentar as chances de sucesso pós-operatório, visto que o membro já encontrava-se com a drenagem linfática prejudicada.
Método
Realização de um relato de caso conforme informações obtidas por meio de revisão do prontuário, registro fotográfico e revisão da literatura.
Resultado
Paciente masculino de 63 anos, diabético não insulino-dependente, com tratamento prévio de carcinoma de estômago com gastrectomia parcial, vítima de fratura exposta complexa cominutiva em úmero esquerdo com perda óssea e de partes moles em região de articulação úmero-ulnar após queda de mesmo nível, com realinhamento e fixação cirúrgica com placas e parafusos (figura 1). Após a fixação, ocorreu infecção de sítio cirúrgico, com deiscência da ferida operatória e necessidade de desbridamento com retirada de grande quantidade de pele e tecido muscular desvitalizado, expondo o material de osteossíntese em região de cotovelo esquerdo.
No mesmo internamento, houve três tentativas de retalho cutâneo e miocutâneo após novos desbridamentos dos tecidos desvitalizados, sendo possível cobrir apenas parcialmente a placa exposta do cotovelo, com nova colocação de curativo à vácuo e programação do retalho livre microcirúrgico.
Após as múltiplas abordagens cirúrgicas e internamento prolongado, o membro superior esquerdo do paciente encontrava-se com linfedema grau I e a área de exposição da ferida aumentou o diâmetro, sendo possível visualizar duas placas de osteossíntese.
Após 50 dias do dia do internamento, já com a infecção tratada, foi realizada a retirada do material de osteossíntese exposto do cotovelo esquerdo, e em segundo tempo, realizado retalho livre microcirúrgico da região anterolateral da coxa esquerda para a região do cotovelo esquerdo, com realização de anastomose linfovenosa do retalho como tentativa de redução do edema pós-operatório, visto que o membro já encontrava-se com sinais de congestão linfática.
Durante a microcirurgia, após o descolamento do retalho anterolateral da coxa esquerda, foi identificada e isolada uma veia do subcutâneo da porção central do retalho. Devido a indisponibilidade de fluorescência com verde de indocianina, para auxiliar na identificação e anastomose de um vaso linfático próximo a veia, foi realizado teste com azul de metileno (figura 2), sendo o mesmo injetado em região dérmica também central do retalho, havendo drenagem do azul de metileno por um vaso linfático identificado e isolado (figura 3). Após, foi realizada a anastomose microcirúrgica linfovenosa termino-lateral com fio de prolene 11-0 no retalho (figura 4), o qual foi transplantado para a região cruenta do cotovelo esquerdo, onde realizou-se a anastomose do pedículo vascular do retalho (anastomose termino-lateral do ramo descendente da artéria circunflexa femoral lateral com a artéria braquial e anastomose de veia do retalho com a veia braquial termino-terminal).
Alocado dreno de penrose no cotovelo. A figura 5 demonstra o aspecto final do retalho no pós-operatório imediato, com cobertura total da área exposta. O paciente evoluiu bem no pós operatório, sem isquemia ou trombose do retalho, e com redução progressiva do edema local, com boa evolução da cicatrização e do edema, e está em acompanhamento ambulatorial.
Pela experiência da Equipe Cirúrgica que realizou a cirurgia do paciente apresentado, a qual tem realizado outros casos semelhantes, acredita-se que a anastomose linfovenosa auxiliou no controle do edema pós operatório do retalho, visto que o membro superior esquerdo encontrava-se com o sistema linfático débil.
FIGURA 1 - Radiografia de membro superior esquerdo após fixação cirúrgica com material de osteossíntese.
FONTE: O AUTOR (2024)
FIGURA 2 - Após injeção de azul de metileno no retalho anterolateral da coxa esquerda, para identificação de vaso linfático.
FONTE: O AUTOR (2024)
FIGURA 3 - Vaso linfático do retalho corado com azul de metileno. Imagem de microscópio.
FONTE: O AUTOR (2024)
FIGURA 4 - Anastomose linfovenosa no retalho com prolene 11-0. Flecha/mão mostrando a veia anastomosada no vaso linfático, com fio de prolene segurando a anastomose. Imagem de microscópio.
FONTE: O AUTOR (2024)
FIGURA 5 - Aspecto final no pós-operatório imediato do retalho anterolateral da coxa esquerda em região medial e posterior do cotovelo esquerdo.
FONTE: O AUTOR (2024)
Discussão
O uso do retalho microcirúrgico tem como objetivo restabelecer a função e restaurar a forma, principalmente nos casos de impossibilidade de outros retalhos ou quando as tentativas de cobertura com outras técnicas não obtiveram sucesso.
Essa técnica cirúrgica é muito utilizada em casos de defeitos e deformidades complexas, como cobertura de superfícies articulares, vasos, tendões e ossos, devendo ser adaptados tanto na sua dimensão como na sua composição ³.
O retalho anterolateral da coxa é um retalho fasciocutaneo tipo B e C de Mathes e Nahai ², baseado nas perfurantes da artéria circunflexa femoral, e possui diversas vantagens como: pedículo longo e calibroso, viabilidade com pouca espessura, maleabilidade, cobertura e preenchimento tridimensional de cavidades, e fechamento primário da área doadora.
O centro do retalho se localiza no ponto médio de uma linha traçada da espinha ilíaca anterossuperior até a borda superolateral da patela. No plano subfascial, o retalho é descolado até a identificação do pediculo principal, localizado no septo intermuscular entre o reto femoral e o vasto lateral ². Algumas referências indicam que o retalho anterolateral da coxa pode se estender por até 40cm ³.
De modo geral, o uso do retalho anterolateral da coxa é bastante seguro e oferece bons resultados para a área receptora. Mas o aumento da tensão no retalho, pelos mais diversos mecanismos, incluindo o edema pós-operatório, pode acarretar deiscência da ferida, bem como atrasos na cicatrização. Já o acúmulo persistente de linfa no membro receptor, pode induzir a um estado inflamatório crônico que pode gerar fibrose com deposição de gordura ⁴, gerando diferentes graus de linfedema.
A obstrução crônica, traumatismo ou excisão das vias linfáticas podem levar ao linfedema crônico, prejudicando o equilíbrio hídrico e a reação imunológica local ⁵, com atrasos na cicatrização. Geralmente, a linfoangiogênese ocorre após trauma ou excisão e as vias e funções linfáticas são restauradas ⁶, todavia alguns pacientes podem ter essa função prejudicada, com piora ou persistência do edema no retalho realizado. A derivação do fluxo linfático ao sistema venoso é um pilar do tratamento cirúrgico desta condição.
Os resultados clínicos na literatura que estudam o uso da anastomose linfovenosa para tratamento de linfedema mostram que a anastomose linfovenosa é eficaz tanto nos resultados quantitativos, como a redução do volume dos membros, quanto nos resultados qualitativos, como os sintomas relatados pelo paciente, particularmente no tratamento do linfedema em estágio inicial ¹, quando ainda não há fibrose instalada. Além disso, estudos demonstraram que as anastomoses linfovenosas diminuem fisiologicamente as alterações inflamatórias envolvidas no linfedema ¹, porém a maioria desses estudos são séries de casos ou estudos de coorte prospectivos, e muitos não estratificam os resultados com base na etiologia do linfedema, enquanto a maior parte dos trabalhos referem-se especificamente ao tratamento cirúrgico do linfedema após tratamento de câncer de mama.
Deste modo, existe uma carência de relatos clínicos e artigos na literatura em relação ao uso destas anastomoses em retalhos livres microcirúrgicos, transmitindo a necessidade de mais estudos sobre o tema, já que acredita-se que essa técnica possa contribuir para melhora do edema pós-operatório dos retalhos, principalmente em pacientes suscetíveis à desenvolver linfedema ou naqueles que já possuem a drenagem linfática do membro receptor prejudicada. Isso acarretaria em menos morbidade pós-operatória e maior taxa de sucesso cirúrgico.
Ademais, a popularização das anastomoses linfovenosas também contou com avanços nas modalidades de imagem e agentes de contraste para identificar canais linfáticos funcionais em tempo real para planejamento cirúrgico. A linfografia com indocianina verde (ICG), introduzida por Ogata et al. em 2007 ¹, é atualmente uma das modalidades para visualização dos canais linfáticos, bem como o uso da Linfocintilografia com Tecnécio (99mTc). Porém, nem todos os hospitais possuem essas tecnologias disponíveis, o que acarreta em maior dificuldade de demonstrar os resultados operatórios de modo mais objetivo.
Conclusão
O uso das anastomoses linfovenosas já é algo bem definido no tratamento cirúrgico do linfedema, principalmente em pacientes portadores de câncer de mama. Porém, ainda existem poucos estudos do uso desta técnica no retalho livre microcirúrgico, ainda mais em pacientes que já possuem a drenagem linfática do membro receptor deficitária, fator que ocasiona maior chance de congestão linfática do retalho e suas complicações.
Devido a essa técnica trazer boas perspectivas de melhor recuperação pós-operatória, são necessários novos estudos para verificar com objetividade o grau de eficácia da técnica nos retalhos livres microcirúrgicos e validar os resultados obtidos.
Referências
1. Huang A, Chang DW. Lymphovenous bypass. Annals of breast surgery. Section of Plastic and Reconstructive Surgery, University of Chicago Medicine & Biological Sciences, Chicago, IL, USA. 2024; (8)
2. Carreirao, S. Cirurgia Plástica para a formação do especialista. Ed Atheneu. 2018.
3. Groth AK, Silva ABD, Maluf Junior I, Ono MCC, Faris NA, Chociai AC. A versatilidade do retalho anterolateral da coxa em reconstruções oncológicas: série de casos do serviço de cirurgia plástica reconstrutora e microcirurgia do hospital Erasto Gaertner. Rev Bras Cir. Plást. 2014; 29(1):176-178
4. Mihara M, Hara H, Zhou HP, Tange S, Kikuchi K. Lymphaticovenous anastomosis releases the lower extremity lymphedema-associated pain. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017; 5(1):1205.
5. Sedbon T, Azuelos A, Bosc R, D'Andrea F, Pensato R, Maruccia M, Meningaud JP, Hersant B, La Padula S. Spontaneous Lymph Flow Restoration in Free Flaps: A Pilot Study. J Clin Med. 2022 Dec 28;12(1):229.
6. Lasso JM, Cruz ED, Pozega CG. Anastomosis linfático-venosa mediante técnica de supramicrocirurgía. Supermicrosurgical lymphovenous anastomosis. 2019; 97(5): 291
Palavras Chave
MICROCIRURGIA; anastomose linfovenosa; retalho anterolateral da coxa
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Universitário Cajuru - Paraná - Brasil
Autores
MARIANA EUGENIA ZACHARIAS BONFIM, NICOLLY ZENI TRENTIN, BRENDA RAYMUNDO PAULI , VITOR ALVES GARCIA BORTOLUZZI DANIEL, ALFREDO BENJAMIM DUARTE DA SILVA, DAYSON LUIZ NICOLAU DOS SANTOS