60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

COMO MANEJAMOS A RECONSTRUÇAO DE MAMA APOS COMPLICAÇOES POR USO DE SILICONE LIQUIDO INDUSTRIAL? AS MULTIPLAS ETAPAS EM UM RELATO DE CASO.

Resumo

A aplicação de silicone líquido industrial no organismo humano, mesmo que ilícita, ainda tem sido utilizada por profissionais não habilitados para corrigir deformidades e delinear o contorno corporal. Diversas complicações advêm do seu uso, tais como infecções, necrose teciduais, reações típicas de corpo estranho como fibroses, migração do produto, embolização e óbito.
No momento atual, ainda não há uma padronização da abordagem do siliconoma, sendo recomendada sua ressecção cirúrgica através da mastectomia seguida da reconstrução mamária, podendo ser necessárias múltiplas intervenções para o tratamento das complicações associadas.
Este trabalho tem como objetivo maior relatar as múltiplas abordagens do tratamento integral de um caso, revisar a literatura sobre o siliconoma, as consequências danosas do uso do silicone líquido industrial, a abordagem cirúrgica para sua remoção e suas sequelas estéticas e funcionais.

Introdução

O silicone líquido industrial foi utilizado durante décadas para o aumento do volume de tecidos moles e melhora do contorno corporal. Por ser um produto barato, de fácil acesso e permanente se tornou popular em diversos países.1
Após revisões casuísticas, tornou-se evidente o alto índice de complicações como granulomas, deformidades por deslocamento, discromias, nodulações devido ao grande volume injetado e adulterações do material, infecções, necrose tecidual, pneumonites, embolia e óbito.2
Embora o uso deste material tenha sido proibido pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, e pela DIMED, no Brasil, ainda é utilizado em larga escala por clínicas estéticas clandestinas, sendo as principais vítimas mulheres e indivíduos transgêneros.3
As reações ao silicone injetável industrial no tecido mamário e região de face foram descritas como siliconomas e o manejo de suas complicações ainda não possui abordagem sistematizada. No entanto, nota-se que o tratamento geralmente culmina em múltiplas intervenções cirúrgicas, com sequelas, muitas vezes, permanentes.4

Objetivo

Descrever um caso de aplicação de silicone líquido industrial nas mamas, suas complicações, múltiplas abordagens e fomentar a discussão a respeito da evolução clínica, dos tratamentos realizados e suas possíveis sequelas.

Método

Paciente feminina, 36 anos, sem relato de comorbidades prévias, compareceu ao Hospital Federal de Ipanema com área cruenta em mamas bilateralmente, maior a direita, com perda de complexo areolopapilar (CAP) direito e alteração no contorno das mamas. Relatou internação recente em outro serviço para desbridamento de ferida e antibioticoterapia, devido a infiltração caseira de silicone industrial em mamas há 3 meses. (IMAGEM 1: após desbridamento de ferida necrótica, foto retirada pela paciente)
Após avaliação da mastologia, fora contraindicada a mastectomia. A equipe da cirurgia plástica optou por curativos locais com ácidos graxos essenciais, apresentando melhora evolutiva da necrose de pele e formação de tecido de granulação. As lesões encontraram-se completamente cicatrizadas após 8 meses, estando hipocrômicas, com áreas de retração cicatricial e com irregularidades. (IMAGEM 2: ferida totalmente cicatrizada. Pré operatório para reconstrução)
Fora solicitada ressonância nuclear magnética das mamas, que evidenciaram: siliconomas esparsos bilateralmente, o maior medindo 12mm à esquerda, BI-RADS 2.
O tratamento cirúrgico proposto foi a reconstrução mamária com adenomastectomia bilateral com expansor. Durante acompanhamento pós operatório, fora expandido um total de 450ml em 6 meses e realizada troca de expansor por implante mamário texturizado (300cc), redondo, em posição submuscular por meio de incisão em sulco inframamário. (IMAGEM 3: pós operatório tardio de adenomastectomia bilateral e expansor com 450ml) (IMAGEM 4: pós operatório de troca de expansor por prótese mamária 300cc)
A paciente apresentou evolução satisfatória e optou-se pela realização da reconstrução do complexo areolopapilar com enxerto dermocutâneo associada a lipoenxertia para manejo das cicatrizes alargadas e melhora das áreas de discromias. (IMAGEM 5: pós operatório de reconstrução de CAP + lipoenxertia)

Resultado

No caso relatado, a paciente não apresentou alterações a distância, como alterações renais, hepáticas e pulmonares, comumente relatadas quando o material sofre difusão para vias linfáticas, venosas e arteriais.3
Para avaliação das complicações locais, solicitamos uma ressonância magnética, que evidenciou presença de siliconomas e ausência de malignidade. Em 1965, Wlner et at. Caracterizou um tipo de reação de corpo estranho no tecido mamário de pacientes que receberam silicone injetável, denominando-a de siliconoma.2
O aumento da incidência de neoplasia mamária secundária ao siliconoma permanece controverso na literatura.5 Porém, acredita-se que possua relação com o crescimento tumoral, devido a abertura anormal dos canais linfáticos próximos aos granulomas e nos locais de migração do silicone, incluindo os linfonodos.4
No exame físico da paciente, foram encontrados nódulos dolorosos, discromias, reação granulomatosa, retrações cicatriciais, assimetria, necrose e ulcerações, corroborando com as complicações locais descritas na literatura atual.4
Após desbridamento da área necrótica e da cicatrização total do tecido de granulação, a proposta cirúrgica fora de adenomastectomia bilateral e inserção de expansor, devido a intensa quantidade de fibroses impenetráveis teciduais, adesões do material ao tecido subcutâneo profundo e, assim, permitindo a remoção de todo parênquima infiltrado.
Embora ainda não exista uma padronização da abordagem atual no tratamento do siliconoma, recomenda-se sua ressecção cirúrgica através da mastectomia seguida da reconstrução mamária, podendo ser necessárias múltiplas reabordagens cirúrgicas para o tratamento das complicações associadas.2

Discussão

A aplicação de silicone líquido para melhorar o contorno corporal se tornou popular na Alemanha, Suíça e Japão durante a década de 1940,1 visto que o silicone líquido é um injetável permanente, não carcinogênico, que não suporta crescimento bacteriano e mantém uma viscosidade constante. No entanto, diferentes apresentações, como elastômeros, líquidos e gel implantados em sítios anatômicos diferentes apresentam variáveis potenciais de benefícios e complicações.1
Uma vez implantado, o silicone líquido é permanente e necessita de aplicações em quantidades mínimas de material e com profundidade precisa no plano subdérmico.6 Se muito superficiais, resultarão em pápulas visíveis, se em grande quantidade, poderão formar nódulos palpáveis. Após publicações de diversas reações adversas em seres humanos, tanto no local da infiltração quanto sistêmicas, seu uso foi suspenso.3 O quadro clínico pode manifestar-se em fase aguda, como no caso relatado, ou anos após a realização do procedimento, sendo registrados períodos de latência de até 25 anos.2
As apresentações clínicas mais comuns na literatura são: deformidades por deslocamento, reações alérgicas, granulomas por corpo estranho, dor local, assimetria, discromias, presença de nodulações palpáveis, infecções e necrose tecidual.4
Apesar de não ser aprovado pela FDA e pela DIMED para indicação em qualquer tecido mole, o silicone líquido industrial tem sido introduzido nas mamas e em outras áreas de maneira off-label, a fim de aumentar seu volume.3
Apesar da aplicação de silicone industrial ser proibida, seu uso de maneira clandestina é frequente no Brasil. O fácil acesso a esta substância, seu baixo custo e o estímulo entre os pacientes de seu uso de maneira off label, desconhecendo suas complicações, são possíveis justificativas. A remoção cirúrgica é de difícil execução, o produto é de difícil remoção, levando a tratamentos longos, com tempos cirúrgicos múltiplos, deixando sequelas funcionais e estéticas importantes.
Mais medidas públicas devem ser tomadas para conscientização das reais complicações do procedimento, a fim do cliente estimar o risco de sua escolha.7 Posto isto, o cirurgião plástico deve estar preparado em relação ao manejo do siliconoma, uma vez que as injeções de silicone industrial ainda são uma realidade.

Conclusão

A injeção de silicone líquido industrial nas mamas é um procedimento off label com alto índice de complicações locais e sistêmicas. O tratamento ainda é um desafio, com tempos cirúrgicos múltiplos e sequelas funcionais e estéticas permanentes.

Referências

1. Roda SN, Keneth B. Liquid injectable silicone: a review of its history, immunology, technical, considerations, complications, and potential. Plast. Reconstr. Surg. 2006;118 (Supl.): 77.
2. Meira AAM, Lisboa TA, Moraes TP. Abordagem reconstrutora após injeção de silicone líquido industrial nas mamas. Rev. Bras. Cir. Plást. 2009; 34 (supl.2): 62-64.
3. Monteiro E, Stuque CO, Freitas RJ,Bozola AR. Exérese de silicone injetável em mamas masculinas: abordagem cirúrgica. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010; 25(2): 404-7.
4. Dornelas MT, Correa MPD, Barra FML, Junior CACS, Dornelas MC, Sant´Anna LL, et al. Siliconomas. Rev. Bras. Cir. Plást. 2011; 26(1): 16-21.
5. Camacho JP, Quiroz M, Subiabre R, Clderón W. Injerto dermo-epidérmico como tratamiento del siliconoma de extremidad inferior. Rev Chil Cir. 2018; 70(1):70-4.
6. Chasan PE. The history of injectable silicone fluids for soft-tissue augmentation. Plast. Reconstr. Surg. 2007, 120(7):2034-2040.
7. Shafir R. Liquid injectable silicone: is there a role as a cosmetic soft-tissue filler? Plast. Reconstr. Surg. 2007, 120(7):2034-2040.

Palavras Chave

Siliconoma; Reconstrução de mama;

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

HOSPITAL FEDERAL DE IPANEMA - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

MARJORIE PAVESI FERREIRA, NATHALIA RIBEIRO PINHO DE SOUSA, ISADORA BOEING, DUNIA VERONA, JOSIELI BERTICELLI CERINI, SERGIO DOMINGOS BOCARDO